Saudações:

Em homenagem e reverência profunda à minha Mestra de Ordenação e Treinamento, Venerável Shingetsu Coen Osho.
Que seu Corpo-Dharma, seja como um diamante inquebrantável.
Que tenha próspera longevidade e saúde ilimitada.
Que nenhum mal a atinja.
Que todos os seus esforços sejam recompensados.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Fukanzazengui - parte 9

“... nosso corpo e nossa mente são naturalmente transcendidos...”
Dogen refere-se aqui à expressão shin jin datsu raku, frequentemente traduzido por “abandonar” ou “rejeitar corpo e mente”.
Ir além do corpo e da mente.
Taisen Deshimaru preferia usar a expressão: ‘derrubar corpo e mente’.
No Shobogenzo, Dogen definirá essa expressão dizendo que quando todos os seres sencientes tornam-se Budas, o corpo e a mente caem naturalmente.
Kodo Sawaki, definia a expressão shin jin datsu raku como ‘abandonar o que está dentro e o que está fora’.
   Numa referência a uma passagem com Mestre Nyojo, Dogen diz:
‘Mestre Nyojo não se irritava frequentemente. Mas se por acaso os monges estivessem praticando incorretamente, ele ficava verdadeiramente furioso’.
Um dia, no dojo, um monge, ao lado de Dogen adormeceu durante o zazen.
Furioso, Nyojo golpeia violentamente o dorminhoco com sua sandália e grita: "Shin jin datsu raku!" - Abandone corpo e mente...
Dogen ao assistir esse episódio chega a chorar de emoção.
Depois Dogen vai aos seus aposentos e repete ao mestre a mesma frase: 
“Corpo e mente abandonados”...
Nyojo, tendo percebido a realização de Dogen responde simplesmente:
  “Corpo e mente foram abandonados”
  
“…Se almejamos realizar a sabedoria de Buda, devemos começar a praticar imediatamente...”
Dogen continua a falar da importância da prática do zazen.
Com essa frase ele quer dizer, "Deveis praticar o zazen sem demora. Aqui e agora".
   Devemos começar com o que temos e somos.
   Sem demora.
   Na nossa escola, sentamos como Bodidharma, diantes de uma parede.
   Não cortamos nossos pensamentos nem fugimos deles.
   Nos sentamos em zazen sem nada querer, sem nada desejar o que quer que seja.
   Apenas nos sentamos o mais que pudermos.
   É o Zazen sem finalidade.
 Se praticarmos zazen com uma finalidade, ainda que pequenina, quase invisível, esse zazen não é o verdadeiro.
 Mas!!! Todos desejamos praticar o zen com alguma finalidade.
Temos uma necessidade imperiosa de achar razões para tudo que fazemos.
   Temos medo de que quando formos falar do zen, o que dizer...
 - Quer dizer que você pratica o Zen... Afinal o que é esse tal de Zen...nos pergunta alguém...
   Pronto! Ficamos imediatamente com cara de cachorro que caiu da mudança... O que responder...
   É preciso compreender que o zen é própria vida quotidiana; de outra forma, essa prática não teria o menor sentido.
O ensinamento zen é justamente de como viver neste mundo, nesta vida comum.

 “…Para fazer zazen, é desejável um local tranquilo...”
   O local de prática, não deve ser muito iluminado nem muito escuro, nem muito frio nem muito quente, nem seco nem úmido.
Todo Zendo é desprovido de quadros, flâmulas, som ambiente e luz excessiva, a prática zen requer concentração. Estímulos sensoriais fazem a mente se perder.
Possuímos uma série de ‘janelas’ abertas para o meio, estruturas que colocam o sistema nervoso em contato com os estímulos provenientes do ambiente: cheiro, imagens, sons, etc.
   Essas estruturas são os órgãos sensoriais. As informações referentes ao ambiente são percebidas por esses órgãos dos sentidos e continuamente enviadas ao encéfalo, na forma de impulsos nervosos. Esses órgãos sensoriais são transdutores, convertem uma forma de energia (som, luz, calor, etc.) em outra (impulso nervoso).
Ora! Se existem muitos estímulos o corpo não consegue relaxar e a mente, continuamente agredida com imagens, sons, cheiros, calor, frio etc não consegue repousar em si mesma, por isso Dogen adverte para que o local seja tranqüilo, agradável e tenha o mínimo de atrativos, sejam eles auditivos, visuais ou olfativos..

“...Devemos ser moderados no comer e no beber, abandonando todo relacionamento deludido...”
   Não devemos comer demais.
   Se comemos muito, adormeceremos facilmente.
   Não devemos nos sentar com muita fome.
   Se estamos com fome a necessidade de sobrevivência fala mais alto.
   Não devemos ingerir muito líquido.
 Se o fizermos ficaremos indispostos, enjoados.
   Devemos abandonar todos os pensamentos.
A prática do zazen consiste apenas em tornar-se presente na experiência de ser.
Não se trata de algo que se adquire depois de encerrado o período de zazen.
Não se trata de um conceito do processo mas, sim, de concentrar-se no próprio processo.
Desperto é aquele que se encontra ‘presente’ no presente. Que se encontra aqui-e-agora, que sabe que (seja lá o que for) só pode acontecer nesse ‘agora’, não ontem ou amanhã.
A vida real é agora, nesse exato momento...
 
“...Deixando tudo de lado, não pensemos nem no bem, nem no mal, nem no certo, nem no errado...”
za” significa sentar.
“zen” significa percepção consciente do aqui-e-agora.
“Zazen” significa sentar em profunda percepção consciente do que acontece dentro e fora do corpo.
 “Shikan” significa sinceridade.
“Taza” significa unir-se ao ato de estar apenas sentado.
  Shikantaza” significa sentar-se apenas, sem dualidades, sem adjetivar, sem conceituar.
Não precisamos alimentar a mente com coisa nenhuma... Ela não precisa ser nutrida.
As impressões que nos chegam pelos sentidos já são suficientes.

Aguardem a parte 10.

 

segunda-feira, 27 de agosto de 2012


PALESTRA e RETIRO ZEN com o Monge Ryozan
No Recife e em Aldeia-PE - 6 a 9 de setembro de 2012

1 – Palestra: O ZEN NA VIDA COTIDIANA
Quinta-feira, dia 6 de setembro, às 19h30
O Zen é um Caminho. Uma forma de estar no mundo. Permanecer plenamente presente em todos os momentos da vida, grandiosos ou pequeninos, alegres ou dolorosos, é o grande desafio da prática Zen e o portal para a libertação de todo o sofrimento.
É sobre isto que falará o Monge Ryozan, discípulo da Monja Coen Roshi, orientador de meditação no Espaço Oásis e para dependentes químicos no Recanto Vida Nova, em São Paulo.
Livraria Jaqueira - Rua Antenor Navarro, 138 Jaqueira – Recife – PE.
(Esquina com a Rua do Futuro, junto ao Parque da Jaqueira) Tel.: 81-3265.9455
Inscrição no local
Contribuição sugerida: R$ 20,00


Fukanzazengui - parte 8.
“...Devemos parar de correr atrás de palavras e de letras e aprendermos a nos retirar e refletir sobre nós mesmos...”
 “...Quando assim fazemos, nosso corpo e nossa mente são naturalmente transcendidos, e nossa naturezaBuda original se manifesta...”.
 Nesse parágrafo, Dogen fala sobre a importância de não se prender ao que está escrito, mas deixar que a mente se manifeste livremente.
 Palavras não são nada mais que conceitos, até mesmo Dogen usa as palavras para dizer isso.
 No Shinjinmei: está escrito:
‘É lá que se rompe o caminho da linguagem. Não há mais passado nem futuro’.

Perguntaram ao Buda: - Porque os ignorantes fazem discriminações e os sábios, não?
 Buda respondeu: - Porque os ignorantes prendem-se à palavra, aos nomes, aos sinais, aos conceitos.
 Não nos sentamos em zazen para chegar a algum lugar, ou conseguir alguma coisa...
Para atingir algum estado de beatitude, ou algum tipo de poder cósmico...
 Praticamos, para nos religarmos a vida...
 Para retornar ao Universo do qual fazemos parte.
 Quando no sentamos com a mente livre e desapegada, já conseguimos...
 Já estamos lá...   somos Budas... Nos tornamos um com o universo.
 No Shobogenzo - Capítulo 62 – Sansuikyo - “A Escritura das Montanhas e das Águas” está escrito:
"Todos os Dharmas estão livres e desapegados, e não estão fixos em lugar algum. Devemos estar conscientes disto, que todos os Darmas estão livres e sem apegos; mas eles apesar disto mantêm seus estados verdadeiros.  Quando seres humanos observam a água eles podem enxergar apenas um tipo de fluxo.  Existem muitos tipos de fluxo, mas os seres humanos podem enxergar apenas um tipo. Por exemplo, a terra e o céu estão num estado de fluxo permanente, as curvas do rio fluem, os poços de água mais profundos fluem; acima das nuvens e no leito dos rios todas as coisas estão em fluxo.”
 O que Mestre Dogen transmitiu, foi esta ligação com a realidade, esta volta à vida cotidiana, o que é muito útil para nós que vivemos tantos séculos depois, e temos dificuldade de levar uma vida exclusivamente de mosteiro, como monges retirados.
Somente podemos fazer sesshins e treinamentos, mas não conseguimos cortar os laços com o mundo como os monges de antigamente, precisamos pagar a escola do filho, o plano de saúde, a água, a luz etc.
 Nem dentro, nem fora.
 Quando não estivermos mais presos às palavras, à letras, às formas, nossa face original poderá então surgir.
Quando retirarmos todos os véus a verdadeira natureza aparece.
Ao chegar ao templo, o mestre Zen pergunta:
 De onde vens?
Normalmente vamos responder com o nome da localidade de onde viemos...
 Se o mestre é suave e compreensivo, talvez lhe responda:
 Não me entendestes, mas isso não tem importância... Pode entrar.
Um mestre severo, enxotará o monge:
- Vai-te embora! Você não conhece o caminho!
Estudos da Universidade de Harvard demonstraram que em média de 60% a 90% das consultas médicas poderiam ser evitadas, caso as pessoas usassem sua capacidade mental para combater de forma natural o estresse, as aflições, as tensões e os medos que são os causadores dos problemas físicos e mentais.
   Zazen é a maneira mais efetiva de disciplinar a mente.
O cérebro usa o tempo em que a mente está calma, pacificada e em silêncio para estabelecer novas conexões, gerar novas idéias, estabelecer novos parâmetros e se desvencilhar de crenças anacrônicas.
 O estresse é o grande mal da modernidade.
 É impossível fugir dele, mas é possível alterar o eixo de referência das situações externas trazendo-o para dentro de nós.
Quando a mente se aquieta, o corpo a acompanha e vice-versa – Segredo do Tostines...

 
Fukanzazengui - Parte 7.
“...Já que esses antigos sábios eram tão diligentes, como podem os praticantes dos dias atuais deixarem de praticar zazen?...”
Os ‘antigos sábios’, de que trata o texto são os ancestrais.
Os antigos sábios possuíam tanta realização advinda da prática ininterrupta do zazen que várias são as passagens.
Para o Mestre Dogen, os "antigos sábios" foram, entre outros, os patriarcas Bodidarma, Eno, Obaku, Hyakujo e Rinzai.
Tem uma passagem do Shobogenzo, onde Mestre Dogen fala desses mestres:
‘Obaku era um Buda antigo, além do tempo, muito superior a Hyakujo e muito mais fino que Baso. Rinzai, em comparação, era bem pequeno’.
Então segundo Dogen, Obaku era ‘superior a Hyakujo’, ‘mais fino’ que Baso e pertencia a uma categoria mais elevada que Rinzai.
Então, Obaku era o ‘Cara’ o ‘Best of the best’ (imagino a expressão que a sensei vai fazer ao escutar isso, ainda bem que ela não costuma nos bater...)
Ele viveu em uma época de forte repressão ao budismo pelo Imperador.
O zen não era particularmente visado porque os monges nada possuíam, nem dinheiro nem mosteiros, mas apenas velhos templos onde praticavam zazen.
Obaku sempre que podia debochava dessa repressão.
Existe uma passagem com o Mestre Obaku onde podemos perceber a sua força.
O príncipe Senso praticava no mesmo local que Obaku.
Um dia em que Obaku fazia fudosampai (três prostrações), o príncipe Senso lhe pergunta:
- Porque você se prostra diante dos Três Tesouros? Para que servem os rituais quando devemos estar desapegados de tudo?
Obaku se levanta e lhe dá uma bofetada, Tcham!
O príncipe Senso, com a face corada, fala com a voz indignada:
- Então é assim que se manifesta um ser desperto?!
Obaku lhe dá uma segunda bofetada, Tchum!
- Realmente você é muito grosseiro! Diz o príncipe Senso.
Obaku lhe desfere uma terceira bofetada – Tcha!  e retruca:
- Que tal essa, lhe parece grosseira ou refinada?
É importante que se saiba que Obaku tinha quase o dobro da estatura do príncipe. Então podemos imaginar que cada tapa deve ter doído pacas.
Consta que a graças a força da última bofetada, o príncipe Senso obteve uma grande percepção.
Obaku, naquela época ainda era um discípulo. Na data do ocorrido, ele era shuso do templo.
Levando-se em conta que Obaku não era o mestre de Senso e que este era nada mais nada menos que o filho do imperador da China e que iria suceder o trono, vamos combinar que distribuir-lhe bofetadas não era um bom meio de obter favores da hierarquia.
Essa passagem demonstra claramente que Obaku não era um monge comum, exatamente por isso Dogen o respeitava tanto.
Apenas como ilustração: Mestre Eka, era um açougueiro. Doshin, dormia com as vacas. Eno, o sexto patriarca rasgava os sutras (existe um quadro famoso onde se pode vê-lo em plena ação). Eno, dizia que a verdade não se encontra no papel mesmo que, apesar disso, seja importante compreender o que nele está escrito.
Nos dias de hoje, o gesto de Eno seria tomado como vandalismo e o tapa de Obaku uma agressão.
Não fazemos mais zazen como antigamente, por isso somos tão fracos...
Fazemos meia horinha de zazen uma vez por dia e achamos que está bom demais...
A maioria pratica apenas uma ou duas vezes por semana.
Isso em falar de modismos como o da menina ao lado.
Que possamos nos lembrar do mestre que mandou seus alunos continuarem a praticar mesmo depois que uma parte do teto do templo caiu.

 

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Meditação retarda o onvelhecimento, veja:


http://www.minhavida.com.br/bem-estar/materias/12278-meditacao-retarda-o-envelhecimento-celular

FUKANZAZENGUI PARTE 6

“...Crêem que já alcançaram o Caminho, iluminaram sua mente e conquistaram o poder de tocar os céus. Imaginam que estão andando no reino da iluminação. Mas o fato é que quase perderam o Caminho absoluto, que está além da própria iluminação...”.
Para estudarmos a nós mesmos é necessário que esqueçamos de nós mesmos. Esquecemos de nós mesmos quando não existe mais separação entre nós e o Caminho. 
O que cria a separação é achar que podermos atingir a realização com o intelecto. 
A dualidade se faz presente quando, por exemplo, perguntamos a nós mesmos:
- Será que minha postura está correta?
- Será que a sensei vai perceber que eu fiz grandes progressos em minha prática?
- Eu sei recitar todos os sutras de cor e salteado e o monge que está ao meu lado não...Ha! Coitado.
- Hoje meu zazen foi muito bom... só vieram coisas boas na minha mente..
- Minhas costas está doendo horrores, não é possível que o cara que está ao meu lado não esteja sentindo nada...

“...Ainda se vêem as marcas daquele que por seis anos sentou-se ereto e se ouvem os ecos do Monte Shaolin, onde por nove anos sentou-se de face para a parede aquele que transmitiu o selo da mente...”.
Dogen Zenji usa como referência dois exemplos:
Buda Sakyamuni e Bodidarma.
Durante seis anos, o futuro Buda praticou com os maiores mestres da época.
Desde as mais profundas leis espirituais, até a mortificação mais severa.
Não tendo obtido sucesso em suas práticas, sentou-se debaixo de uma velha e imponente figueira, disposto a não mais se levantar até descobrir o fim do sofrimento.
Ali ficou por vários dias, em profunda e silenciosa introspecção.
Foi debaixo dessa árvore que Sidarta atingiu a suprema iluminação.
Neste momento, ele transformou-se no Buda.
No livro ‘Vidas Remotas de Monges Exemplares’, Tao-hsuan (*) diz que Bodidarma passou nove anos em meditação, de frente para a parede de pedra de uma caverna a cerca de uma milha do templo Shorin (Shao-lin), localizado no Monte Su (Sung-shan).
Diz ainda que ele praticou tenazmente o zazen durante todo esse tempo.
Esse período veio a ser conhecido como ‘os nove anos que o monge olhou a parede’.
(*) Bodidarma teve dois alunos Hui Ko e Tao-Hsuan.

transmitiu o selo da mente”.
Está escrito no Capítulo 35 do Shobogenzo (Uma história da prática Budista):
‘(...) Mesmo que uma pessoa sente-se somente por um momento em jijuyu Samadi (*), o selo da mente de Buda imprime-se na totalidade de seu ser, preenchendo-o; enquanto que, simultaneamente a isso, o mundo todo também adquire esta característica de ter o selo da mente de Buda, em resumo, tudo fica iluminado’
O Selo da Mente é a apreensão da Natureza-Buda inerente a todos os seres.  
(*) jijuyu samadhi significa simplesmente estar presente de corpo e alma em tudo que estiver fazendo`- grifo nosso.
“Selo da Mente” também significa o selo de aprovação que um mestre confere a seu discípulo. 
É a comprovação de que o discípulo e o Caminho são um só.
Na verdade, não há nada para ser transmitido.
Realização é em si mesmo a transmissão, o Caminho.
O mestre apenas atesta.
Geração após geração os mestres transmitiram (sem transmitir) esse Selo da Mente.
Geração após geração centenas de discípulos  aplicados tem praticado incansavelmente para deixar sua natureza Buda se manifestar livremente.
Geração após geração, mestres atestaram essa realização.
No zen há uma grande ênfase na compreensão correta e transmissão do “selo da Mente” ou como prefere chamar Dogen Zenji “O Verdadeiro Olho do Dharma”.

Nào percam o próximo capítulo. 

sábado, 11 de agosto de 2012

Amanhã Dia dos Pais, apenas zazen simples, sem recitação de Sutras, liturgia e palestra. Vou almoçar na casa do meu irmão. Gassho.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Fukanzazengui - parte 5.
“...Se surgir o menor pensamento dualista, você perderá sua menteBuda. Por exemplo, algumas pessoas se orgulham de sua compreensão e acreditam que estão ricamente dotadas com a sabedoria de Buda. Crêem que já alcançaram o Caminho, iluminaram sua mente e conquistaram o poder de tocar os céus. Imaginam que estão andando no reino da iluminação. Mas o fato é que quase perderam o Caminho absoluto, que está além da própria iluminação...”
Dogen está querendo dizer que mesmo que você tinha um insight de sua verdadeira natureza, isso é apenas o começo.
Realização é apenas o primeiro passo, ficar preso na experiência é o mesmo que ser aprisionado em sua própria armadilha. 
Apegar-se a qualquer tipo de experiência de realização é como ficar tentando saborear o sorvete de ontem. 
É andar agarrado ao seu troféu de futebol da escola dos tempos da adolescência.
Isso sem entrarmos no mérito da possibilidade da presunção e arrogância derivada da realização. 
Apenas praticando diariamente podemos nos tornar ‘um’ com o Caminho de Buda e finalmente sermos o próprio Caminho.
Praticar diariamente é saber que cada passo dado nos oferece uma gama de possibilidades sensacionais.

“...Se surgir o menor pensamento dualista, você perderá sua menteBuda...”
Disse Koun Ejo Zenji:
"Tenho um conselho aos que sinceramente aspiram praticar. Não se deixem levar por um particular estado mental ou por um objeto. Não repousem no intelecto ou na sabedoria. Não busquem a iluminação nem afastem a ilusão. Não rejeitem o fluxo mental nem se apeguem a pensamentos identificando-se com eles. Apenas sentem de forma calma e estável. Mesmo que oitenta e quatro mil pensamentos equivocados surjam, todos e cada um podem se tornar Prajna’

“...Por exemplo, algumas pessoas se orgulham de sua compreensão e acreditam que estão ricamente dotadas com a sabedoria de Buda...”
A Realidade é a Unidade Absoluta.
Se você divide a Realidade em duas, tais como ilusão e iluminação, e pratica para escapar da ilusão e procurar a iluminação, sua prática está errada, pois se encontra baseada na ilusão.
Não importa o quanto você reze, leia livros de auto ajuda ou assista palestras de religiosos, se existir o pensamento dualista não chegará a lugar nenhum.
Somente através da prática a iluminação realiza a si mesmo.

“ ... Não se deixem levar por um particular estado mental ou por um objeto...”
Estados mentais, objetos, são preferências, gostos pessoais, são o ‘tomar partido’, são o sim e o não.
Não repousem no intelecto ou na sabedoria.
Todos os ancestrais já deixaram bem claro e Hui Neng (inicialmente um simples carvoeiro) mais ainda.
Não é a intelectualidade, não é o ‘saber’ acadêmico que produz a unidade e a libertação.
Na verdade, eles podem ser verdadeiros entraves do caminho iluminado.
 
Não rejeitem o fluxo mental nem se apeguem a pensamentos identificando-se com eles.
Se manifestarmos a menor preferência ou a menor antipatia, o espírito se perde na confusão.

Não busquem a iluminação nem afastem a ilusão.
Quando existe uma preferência, seja ela de amor, antipatia, raiva, desprezo, ou qualquer outra coisa, a verdade vai embora.
Tem uma frase que diz:
“Um só instante e o mente se perde na confusão".
O kanji para esta frase é lido como shin shu.
Shin, quer dizer “mente“ e Shu  "perdido".
Não é a verdade que é perdida, mas a mente.
Apenas o que é, sem dualidades, sem divisões.
Ou segundo Hui Neng: ’sem espelho para limpar a poeira’.
Ou como diz o menino em Matriz: Não existe colher.
A partir do momento em que ele afirmava que não havia nenhum espelho e, portanto, nada a limpar.
Nenhuma colher, portanto nenhum empecilho.Com a mente perfeitamente unificados podemos perceber que nada há a ser limpo, pois nada foi sujo e a colher é apenas um conjunto de agregados.

Aguardem o próximo capítulo. 

terça-feira, 7 de agosto de 2012


O Dharma quando se encontra um Instrutor Sênior que passou por cinco angôs. (Taitaiko Gogejarihô) - de “Eihei Shingi” – “Regras Puras para a Comunidade Zen” Dogen Zenji

1- Quando encontrar um instrutor sênior que tenha passado por cinco angôs, você deve vestir seu okesa e trazer o seu zagu.

2- Não use o okesa cobrindo os dois ombros. Um sutra diz: “Quando monges encontram Budha, ou outros monges ou seniores, eles não devem usar o okesa sobre os dois ombros. [Se eles o fizerem], quando morrerem, eles entrarão no Inferno dos Grilhões de Ferro”

3- Não se apresente em pé olhando para um sênior, enquanto estiver encostado em alguma coisa com suas pernas cruzadas.

4- Não se apresente em pé olhando para um sênior com seus braços balançando.

5- Nunca ria ruidosamente, sem envergonhar-se ou causar constrangimentos.

6- Apresente-se de acordo com o “Dharma do Servir ao seu Mestre.”

7- Se você é admoestado, faça uma reverência polidamente e ouça e aceite; e, de acordo com o Dharma, contemple e reflita sobre o que foi dito.

8- Sempre estimule uma mente humilde.

9- Não se coce ou cate piolhos enquanto estiver com um sênior.

10- Não cuspa na frente de um sênior.

11- Não mastigue seu palito de dentes [yôji] ou enxágüe sua boca enquanto estiver frente a um sênior.

12- Se o sênior não lhe convidou a se sentar [quando você estiver entre eles], não se sente informalmente.

13- Quando sentado na mesma plataforma, ao lado de um sênior de cinco angôs, não o toque [acidentalmente]

14- Não se sente no lugar onde um sênior de cinco angôs normalmente se senta ou descansa.

15- Você deve saber que qualquer um que tenha feito cinco ou mais angôs, tem a posição de ajari [instrutor]; alguém que tenha dez angôs ou mais, tem a posição de oshô [alto sacerdote]. Isto não é nada além um suave orvalho do dharma sem máculas.

16- Quando uma respeitável pessoa de cinco angôs pedir para você sentar, faça gasshô e reverência; só então se sente. Cortesmente sente-se ereto e não encoste na parede.

17- Quando se sentar, não seja rude ou indulgente, recostando-se em algum móvel.

18- Se houver discussão você deve permanecer humilde e não tentar ganhar uma posição superior.

19- Não abra sua boca demasiado enquanto estiver bocejando; mas, cubra-a com sua mão.

20- Quando estiver diante de um sênior, não esfregue sua face, bata em sua cabeça com suas mãos, ou brinque com suas pernas ou braços.

21- Diante de um sênior não faça grandes barulhos de resfolegar ou suspiros. Comporte-se com decoro, de acordo com o Dharma.

22- Quando estiver diante de um sênior, mantenha seu corpo ereto e estável.

23- Se você vir um sênior chegando ao lugar onde você se encontra conversando com outro sênior; dê a eles o seu assento, abaixe a sua cabeça e aguarde por um momento pelas instruções dos seniores.

24- Quando você estiver do outro lado da parede do aposento de um sênior, não recite as escrituras em voz alta.

25- A menos que um sênior lhe peça para faze-lo; não explique o dharma para as pessoas.

26- Se um sênior lhe perguntar algo, você deve dar a resposta apropriada.

27- Sempre observe a expressão de um sênior e não lhe cause desapontamento ou angústia séria.

28- Enquanto estiver diante de um sênior, não troque mesuras com seus pares.

29- Diante de um sênior não aceite prostrações de outros

30- Se houver algum trabalho pesado a fazer, onde esteja um sênior, faça-o, primeiro, você mesmo. Quando há alguma coisa agradável, ofereça-a ao sênior.

31- Se você se encontrar com um instrutor sênior que tenha passado por treinamento em cinco angôs, você deverá reverenciá-lo como um ancião. Não perca seu entusiasmo.

32- Se você tiver intimidade com um sênior que tenha feito cinco ou dez angôs, você deve, mesmo assim, perguntar a eles sobre o significado dos sutras e dos preceitos. Não se torne negligente ou preguiçoso.

33- Quando você percebe que um sênior está doente, você deve, respeitosamente, alimentá-lo e ajudá-lo a se recuperar de acordo com o dharma.

34- Quando você estiver diante de um sênior ou perto de seu quarto, não pronuncie palavras que não sejam benéficas ou que não tenham bom significado.

35- Quando diante de um sênior não discuta pontos bons e maus ou a força e fraqueza de honoráveis mestres de outros templos.

36- Você não deve ignorar um sênior e entrar numa conversa ou questionamento sem propósito.

37- Não raspe sua cabeça, corte suas unhas, ou troque suas roupas de baixo quando na presença de um sênior.

38- Quando um sênior ainda não estiver adormecido, não vá dormir antes dele.

39- Quando um sênior ainda não começou a comer, não coma antes dele.

40- Quando um sênior ainda não tomou banho, não se banhe antes dele.

41- Quando um sênior ainda não se sentou, não se sente antes dele.

42- Se você encontrar um senior no caminho, reverencie-o com inclinação do corpo e, então, siga atrás do sênior. Se você receber alguma instrução do sênior, simplesmente obedeça-o e então retorne [ao que você estava indo fazer]

43-Se você perceber que um sênior esqueceu alguma coisa por engano, mostre-lhe cortesmente.

44- Se você vir um sênior cometendo algum erro, não ria ruidosamente.

45- Se você visitar o quarto de um sênior, primeiro estale os seus dedos (médio e polegar) três vezes no lado de fora da porta, antes de entrar.

46- Se você entrar no quarto de um sênior, entre beirando um lado do vão da porta. Não entre pelo centro do espaço da porta.

47- Quando você entrar ou sair do quarto de um sênior, tanto de cinco, como de dez angôs, você deve usar a escada de convidados, não a escada do anfitrião.

48- Se um senior ainda não tiver terminado de comer sua refeição, não termine a sua antes dele.

49- Quando um sênior ainda não se puser em pé, não se levante antes dele.

50- Se um sênior estiver explicando os sutras para um doador, sente-se adequadamente ereto e ouça-o cuidadosamente. Não se levante rapidamente e saia.

51- Não repreenda alguém que você pretende repreender, enquanto estiver diante de um sênior.

52- Diante de um sênior, não chame ninguém à distância em voz alta.

53- Não desate o seu okesa, deposite-o no quarto do sênior e, então, saia.

55- Quando um sênior estiver ensinando sobre um sutra, não corrija seus enganos desde um assento inferior.

55- Diante de um sênior não levante seus joelhos e os envolva com seus braços.

56- Quando um sênior estiver em um lugar inferior e você estiver num lugar mais alto, vocês não devem se curvar um para o outro.

57- Não faça reverência para um sênior desde o alto de seu assento.

58- Quando você estiver em seu lugar e vir um sênior em pé embaixo , não o reverencie em shashu.

59- Você deve estar atento quando um professor sênior estiver presente.

60- Quando o discípulo de um sênior estiver presente, esteja atento sobre suas maneiras para com o professor e não perturbe o sênior.

61- Quando um sênior se encontra junto com um sênior, nenhum deles precisa seguir estas instruções (de encontro com um sênior).

62- Ver seniores é infindável. Na primeira prática de verão nós vemos seniores; no momento da suprema realização, nós vemos seniores.

O dharma anterior para encontros com sêniors de cinco ou dez angôs, é exatamente o corpo e a mente dos buddhas e ancestrais. Não deixe de estudar isto. Se você não estudar isto, o Caminho dos mestres ancestrais degenerará e o doce orvalho do dharma será extinto. No vasto céu do reino do dharma, isto é raro e difícil de encontrar. Somente pessoas que desenvolveram faculdades saudáveis através de vidas passadas podem ouvir isto. Em verdade este é o último degrau do Mahayana.

Ensinado à Assembléia no Segundo ano de Kangen (i.e., 1244), no terceiro mês, no vigésimo primeiro dia. na Província de Echiza, no Templo Yoshimine.





segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Curiosidades japonesas.
O inkan chamado popularmente de hanko.
 Um dos hábitos japoneses que mais chama a atenção de quem vai morar no Japão pela primeira vez é a forma de assinar. Nada de canetas e muito menos a perda de tempo com o reconhecimento de firmas. Em vez disso, o carimbo japonês com status de assinatura é item obrigatório para legalizar documentos e contratos.
O inkan chamado popularmente como hanko, tem origem na Mesopotâmia há mais de 5.000 anos
Exige-se o delicado e pequeno objeto na abertura de contas bancárias, em um casamento civil ou para fazer algo simples como a inscrição na academia de ginástica.
É por isso que o hanko é o primeiro item a ser comprado por um forasteiro que vai morar no Japão. Afinal, se não tiver o carimbo, sequer dá para pensar em tirar a carteira de estrangeiro. Fruto da influência chinesa, o hanko é adotado não apenas por pessoas físicas, mas também pelas empresas.
Para os estrangeiros que querem fazer o registro do carimbo, é necessário ir até a prefeitura da cidade onde mora e apresentar o hanko e a carteira de registro de estrangeiro (gaikokujin toorokusho). Esse processo pode demorar alguns dias e a pessoa recebe um certificado chamado Inkan shoomeisho.
Já para os cidadãos, o utensílio costuma ter uma base arredondada com o sobrenome do portador escrito em kanji. Quem não tem descendência oriental ganha uma versão em katakana.
Os estrangeiros costumam usar um único hanko em todas as situações. Os nipônicos utilizam diversos tipos. Eles têm o mitomein, para documentos simples; o ginkoin, para bancos e operações financeiras, e finalmente o jitsuin, que é registrado na prefeitura e funciona como a assinatura de firma reconhecida feita pelos cartórios brasileiros.
De tão comum, o objeto pessoal é vendido até em lojinhas de hyakuen – semelhantes às de 1,99 no Brasil. Mas é preciso tomar cuidado com esses carimbos padronizados. Por exemplo, se o seu sobrenome é Izumi, provavelmente haverá uma dezena idêntica usada por outros homônimos. Para evitar a clonagem, os japoneses são mais precavidos e compram hankos de empresas especializadas.
Alguns modelos mais sofisticados podem até virar objeto de arte a técnica é de tal requinte de traços e de padrões que mal dá para identificar seus kanjis. Dessa forma, evita-se a cópia por terceiros.
A empresa Mitsubishi Empitsu criou um modelo à prova de falsificações com roupagem mais moderna. O lançamento ganhou um corpo metálico e, em volta do sobrenome, linhas que são combinadas infinitamente por um sistema de números. Com essas inovações, ninguém mais precisa manter uma coleção de hankos diferentes em casa para usar de acordo com a ocasião.






Fukanzazengui - parte 4

O Caminho já existe em nós mesmos. Não nos outros. Não em outro lugar.
Aquilo que Dogen quis dizer é:
Porque seria necessário acrescentar o que quer que seja a nós mesmos?
O Caminho tudo penetra, logo não há nenhuma necessidade de procurar nada.
Mestre Dogen, quando ainda praticante no templo Tendai no Monte Hiei, tinha aquela grande dúvida.
Ele era aluno do Mestre Koin, abade do templo Tendai.
Naquela época ele não pensava, como escreveria mais tarde, que ‘o Caminho é fundamentalmente perfeito e que ele tudo penetra’.

“... O Caminho está completamente presente onde você está...”
Só podemos estar aqui, neste momento, vivendo a situação, percebendo nossas ações e reações diante de cada momento da vida.
Meu filho, quando me viu fazendo as contas do que tinha que pagar e da insuficiência de dinheiro para tal, disse:
- Nossa pai! Seria bom se você não tivesse nada disso para resolver, eu respondi:
- Ao contrário filho, é sensacional poder vivenciar esse momento, cada situação que se apresenta, pois cada ocorrência na verdade é uma forma diferente de praticar.
Observar meu impulso e meu sentimento ao perceber que não tenho dinheiro suficiente para pagar todas as contas, não é uma maravilha...
Poder conversar com a moça que me liga todos os dias cobrando as contas não pagas, não é fantástico.

“... O Caminho está completamente presente onde você está, então qual a necessidade de prática e de iluminação?...”
O Caminho, a trilha, a senda, está na nossa frente, em cada ato, em cada pensamento, em cada palavra, em cada reação, em cada passo dado, seja para onde for.
A prática é treinar para viver cada momento desses de forma maravilhada, como se cada coisa fosse única.
Outro dia vi um filme (Jogos mortais), a película baseia-se nesta mesma premissa: Você realmente vive uma vida plena...
Me lembrei de uma música: ’É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, pois na verdade não há...’ (Legião Urbana)
Me lembrei de outra: ‘Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia, tudo passa, tudo passará...’ (Lulu Santos)
Prática é saber disso, iluminação é viver isso intensa e completamente.

“...Contudo, se no início houver a menor diferença entre você e o Caminho, o resultado será uma separação maior do que aquela entre o céu e a terra...”
Basta um milésimo de segundo e a dualidade aparece.
Se você está sentado em zazen mas sua mente se perde no passado ou no futuro.
Pronto! Foi tudo por água abaixo.
“Perdeu a mente, perdeu a vida”, dizia meu saudoso e falecido professor de Karate Teruo Furusho, do qual fui aluno por 39 anos, sempre que me percebia divagando durante o treinamento.
Dizia ele: ‘Imagine se você for atacado exatamente nesse momento de distração? O que acha que acontecerá? Não se perca nos pensamentos nem nas lembranças, não gaste seu precioso tempo planejando um futuro que ainda não chegou. Viva apenas o presente, nada mais’.
Se uma distância da espessura de um fio de cabelo é criada, nos separamos da vida, nos separamos do Buda.
A relação entre Buda e nós é ‘não-dois’ – ‘não dois’, ‘mas um’, e, finalmente, ‘nem mesmo um’.
Não há mais subjetivo, nem sujeito, nem objeto.
Em japonês tem um palavra que se chama sho shin – significa: Mente de principiante.
Se no início existir uma pequenina diferença, perde-se o Sho Shin, então mil quilômetros separarão Buda de você.
Gonyo (um dos discípulos de Joshu), um dia, disse a seu mestre:
- Estou aqui com nada. Que devo fazer em tal situação?
Joshu que era um mestre muito paciente e doce, simplesmente respondeu:
- Jogue fora! (este ‘Jogue fora!’ é semelhante ao ‘nenhum espelho, nenhuma poeira’ de Eno ‘Hui Neng’).
Gonyo não compreendeu o que queria dizer seu mestre:
- Acabei de dizer que não tenho nada! O que posso jogar fora?
Joshu, que não pretendia ser malicioso, nem intelectual, e ainda menos brilhante, simplesmente respondeu:
- Jogue fora isso também! Joga tudo fora!
O espírito de Gonyo estava tão separado quanto o céu da terra.
O zen não tem traços, não tem cheiro, não tem rédeas. Se alguém diz que está iluminado, certamente não está.
Disse o Buda: ‘Quando despertei, o mundo inteiro despertou comigo’
Não havia mais separação, apenas unidade...

Aguardem a próxima parte 

segunda-feira, 30 de julho de 2012

FUKANZAZENGUI - Parte 3


No capítulo 35 do Shoboguenzo (Bendowa) – ‘Uma história da prática Budista’ está escrito:
‘Mesmo que a pessoa sente somente por um momento em jijuyu samadi, o selo da mente de Buda imprime-se na totalidade de nosso ser, preenchendo-o; enquanto que, simultaneamente a isto, o mundo todo também adquire esta característica de ter o selo da mente de Buda. Em resumo, tudo fica  iluminado’
Pássaros podem ser vistos e apreciados, o vento uivando ao passar pelas árvores pode ser ouvido, o barulho da chuva batendo nos telhados pode ser percebido, o cachorro latindo, o gato miando.
Dentro e fora de nós, verdades, fatos, acontecimentos, sensações, percepções, formações mentais estão sendo produzidas, se manifestando, mudando, mutando, se alterando em função de causas e condições, momento a momento...
Em nós e ao nosso redor, a vida, alheia ao que pensamos ou achamos, pulsa como um organismo vivo.
Verdades sendo realizadas.
Não precisamos tentar conseguir coisa alguma.
‘Tá’ tudo pronto.

Está escrito no Genjo Koan:
‘Todas as coisas são o Darma de Buda. Existe compreensão, ilusão, prática, vida e morte, Budas e pessoas comuns. Quando tudo é vazio, então não mais existem ilusão ou compreensão, Budas ou pessoas comuns, nem nascimento ou morte. Originalmente o Caminho Budista transcende a si mesmo ou a quaisquer idéias de excesso ou falta. Mesmo assim, o fato é que existem nascimento e morte, ilusão e compreensão, pessoas comuns e aqueles que são Budas’.

“...Sem dúvida, o Caminho está bem longe da delusão. Por que, então, preocupar-nos com os meios de eliminá-lo?...”
Está escrito no Shobogenzo no capítulo 25 (Ryugin) ‘O rugido do Dragão’.
“Todos os Budas e Tatagatas possuem a força de chegar à compreensão suprema e perfeita; eles passam adiante esta compreensão um para o outro (...) Esta habilidade transcende talentos humanos e é perfeitamente livre. Para nos apossarmos deste samadi, devemos entrar nele pelo portão do Zazen, que é o método recomendado para realizar essa compreensão”.

ILUSÃO E DELUSÂO...
Ilusão é a confusão dos sentidos que provoca uma distorção da percepção real das coisas.
Pode ser causada por mudança ambiental, clima, camuflagem, mimetismo, efeitos sonoros, percepções incorretas.
Todos os sentidos podem ser confundidos.
A palavra deriva do verbo latino Illudo (burlar, enganar).
Em nossa língua, iludir evoluiu com o sentido de causar uma impressão enganosa ou ter a esperança de algo desejável.
Delusão é acreditar numa ilusão.
Delusão é um entendimento mental que surge da crença em algo que não é verdadeiro.
Delusões inatas são aquelas que surgem naturalmente, sem especulação intelectual.
Delusões intelectualmente formadas são as que surgem como resultado de raciocínios incorretos ou dogmas equivocados.

Continuando o texto:
“...O Caminho está completamente presente onde você está, então qual a necessidade de prática e de iluminação? Contudo, se no início houver a menor diferença entre você e o Caminho, o resultado será uma separação maior do que aquela entre o céu e a terra...”

“... O Caminho está completamente presente onde você está...”
Aqui o Mestre Dogen coloca uma questão essencial. já que o Caminho é fundamentalmente perfeito, porque seria necessário praticar?
Porque praticar já que todos têm, desde o início, a natureza de Buda?
O mestre Eisai responde:
‘Todos os Budas, nos três mundos, nenhum sabe que tem a natureza Buda. Mas os gatos e as vacas sabem muito bem’.
Estudiosos descobriram que os seres humanos vivem 75% no passado, 20% no futuro e apenas 5% no presente.
Ora! Se alguém vive apenas 5% no presente, ele na verdade não vive...

Não percam a parte 5.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

FUKANZAZENGUI - Parte 2

Muito bem!
Á partir de agora, vamos tentar esmiuçar o texto, palavra por palavra, frase por frase e sentença por sentença.

Ao longo de nosso estudo, poderemos compreender melhor a profundidade de Dogen.

Inicialmente é interessante saber que o O "fu" de "Fukan-zazengi" significa “Universalidade Expressa”.
Mestre Dogen, escreveu esse texto sobre como se sentar em zazen não apenas para os monges do seu tempo, mas para todas as pessoas dos tempos futuros.

Começa o Fukanzazengui com a parágrafo:
“Agora, quando procuramos a fonte do Caminho, descobrimos que é universal e absoluta. Torna-se desnecessário distinguir entre prática e iluminação. O ensinamento supremo é livre, então por que deveríamos estudar os meios de atingi-lo? Sem dúvida, o Caminho está bem longe da delusão. Por que, então, preocupar-nos com os meios de eliminá-la?...”

“Agora, quando procuramos a fonte do Caminho...”
Caminho budista ou caminho do Buda.
Caminho (tao, em chinês) também é usado como tradução para a palavra sânscrita Bodhi.
Também significa a Realidade para a qual o Buda despertou.
‘O Caminho’, no ideograma em japonês (Do), deseja dizer sobre o caminho ao longo do qual devemos retornar e seguir ao prosseguirmos com a nossa prática.
“Dō” – Caminho, senda, trilha espiritual.
O Karatê está imbuído de elementos provenientes do Zen.
O Karate é também chamado de "zen em movimento".
As aulas frequentemente começam e terminam com curtos períodos de zazen.
A repetição dos movimentos dos kata’s, é consistente com a meditação zen pretendendo maximizar a disciplina, a atenção e a concentração, mesmo em condições adversas.
Takahara foi o primeiro a falar sobre  a filosofia do “Dô“ nas martes marcais.
Takahara descreve as três vertentes que combinadas formam o ‘Do’ e culminam na evolução do praticante: Ijo, e katsu.
Ijo () pode ser expresso em atitudes pró-ativas. O ideograma Ijo também está relacionado á compaixão e humildade.
Fo ( ou ) é a dedicação que alguém tem para com algo; no caso, o afinco e a seriedade com que um Karateca treina e a devoção que nutre ao seu mestre e colegas.
Katsu() reflete-se na compreensão dos objetivos do Karate, que é transferir a sabedoria para a vida.
O conceito de “caminho” baseado nos princípios do Zen, é a fundamentação filosófica que dá a base para a prática física do Karate.

“...A fonte do caminho, descobrimos que é universal e absoluta....”
Absoluto, em Filosofia, é definido como a ‘realidade suprema e fundamental’.
Na Filosofia analítica e na filosofia pragmática, absoluto é tudo aquilo que não deixa dúvidas quanto a sua completude.
A palavra ‘Absoluto’ no ocidente vem do latim ‘solutus ab omni re’ - O que é ‘em si e por si’, independentemente de qualquer outra consideração ou condição.
No meu parco entendimento, o que Dogen quis dizer com as palavras ‘universal e absoluta’ é que a Natureza Buda é o princípio fundamental existente em todos os seres e completo por sí mesmo.

Shunryu Suzuki no livro: Mente Zen, Mente de Principiante declara:
‘Buda não aceitou as religiões que existiam na sua época. Não encontrou respostas no ascetismo nem na filosofia praticada. Buda não estava interessado nos aspectos metafísicos da existência, e sim em seu próprio corpo e mente. Quando encontrou a si mesmo, descobriu que tudo quanto existe tem natureza búdica. Esse foi o seu despertar, a sua iluminação. Iluminação não é um estado particular da mente. Essa é a fonte do caminho, a inata Natureza Buda. É universal porque a todos pertence. É absoluta porque é perfeita e completa’ (*) (*) Grifo nosso.

“...Torna-se desnecessário distinguir entre prática e iluminação...Como podemos diferenciar a prática da iluminação?...
O Zen está além de todo e qualquer dualismo.
Por sua simplicidade, dá acesso ao estado absoluto da sabedoria completa e perfeita.
É aqui que a importância do zazen assume toda a força.
Shikantaza, apenas sentar-se, sentar-se e mais nada.
O Zen é a filosofia da gratuidade, do não-lucro.
Todos, trabalhamos, para uma finalidade, por uma idéia, com um objetivo; cada qual quer dar e receber.
Mas só se atinge a verdadeira vida espiritual quando não se procura status ou lucro.
Quando não se distingue mais a prática da iluminação...

Consta no Gakudo Yojin-shu (Pontos a observar no Estudo do Caminho)
‘(...) O Buda ensina que na prática há iluminação. Nunca ouvi falar de alguém que tenha alcançado a iluminação sem praticar’.
‘(...) existem diferentes métodos de treinamento, baseados na fé ou na compreensão do Darma, na iluminação súbita ou gradual, ainda assim, a iluminação depende de treinamento’.
‘(...) Embora pratiquemos no mundo da delusão, esse também é o mundo da iluminação’.
‘Quando a iluminação está em harmonia com a prática, você não pode desmerecer nem mesmo uma simples partícula de poeira. Se agir dessa maneira você se afastará da iluminação tanto quanto o céu está afastado da terra’.

A palavra Zentai, em japonês, significa a Realidade como um todo, antes da divisão, antes da dualidade feita através da discriminação.
Na verdade não há nenhuma separação entre ilusão e iluminação.
Entre sim e não, entre sentar em zen e lavar os pratos.

“...O ensinamento supremo é livre, então por que deveríamos estudar os meios de atingi-lo?...”
É claro para as pessoas com um mínimo de percepção que a espiritualidade baseada unicamente no conhecimento intelectual, nas religiões e morais tradicionais são incapazes de fornecer linimento para nossas angústias e sofrimentos.
Desorientados, desequilibrados e sofridos, os seres buscam prazeres momentâneos e facilidades sociais.
Se apartam da essência espiritual e da Natureza Buda.
As contradições e insatisfações são numerosas, rompeu-se o equilíbrio natural.
A dualidade faz-se presente em todos os momentos de nossas tristes vidas...

“...Sem dúvida, o Caminho está bem longe da delusão. Por que, então, preocupar-nos com os meios de eliminá-lo?...”
O treinamento Zen está além da ciência, além da filosofia, além das normas e dos postulados.
No Zen, não meditamos sobre a existência ou a não-existência, sobre o sim ou o não, sobre o ser ou não ser...
Apenas vivemos o momento atual e tudo que está relacionado a esse instante fugidio.
 
Mestre Kodo Sawaki dizia:
‘Conduzir nossa vida é como andar de bicicleta. Uma boa prática faz-se necessária. Entretanto se o corpo e a mente estiverem rígidos, não conseguiremos andar. É necessário pedalar sem parar. Se não pedalarmos, não avançaremos, se executarmos uma manobra errada, ou pararmos de pedalar, cairemos’.
Deixar de observar o aqui-e-agora é como parar de pedalar.


Não deixem de ler a parte 3.