Fukanzanzengui - (Regras
Universais do Zazen) Eihei
Dogen Zenji
Obs: Esse texto foi escrito originalmente em forma de apresentação no Power Point para ser apresentado no Treinamento Intensivo de julho noTemplo Taikozan Tenzui Zenji.
By
Taigen
Em
reverência profunda à minha Mestra de Ordenação e Treinamento, Venerável
Shingetsu Coen Osho. Que
seu Corpo-Dharma, seja como um diamante inquebrantável. Que
tenha próspera longevidade e saúde
ilimitada. Que
nenhum mal a atinja. Que
todos os seus esforços sejam recompensados. E
que tenha muita, muita paciência conosco...
Inicialmente,
para entrarmos no mérito do texto, das razões e motivos que levaram Dogen a
escrevê-lo, é necessário nos situarmos historicamente, só assim poderemos compreender a profundidade do seu pensamento.
Quem
era Dogen Zenji?
Qual
foi sua importância no cenário budista japonês?
Porque
ele foi e é tão importante?
Pequena
introdução ao texto.
Talvez...
Inicialmente,
seja interessante construir uma imagem do que seja realmente a prática zen,
mesmo correndo o risco de parecer redundante e repetitivo.
Desde
seu início, o zen exerce uma peculiar fascinação nas mentes cansadas de
religião e filosofias formais, nas mentes exauridas de sofrimento, de perguntas
não respondidas, de questões mal compreendidas.
Contam
os textos que desde o dia em
que Buda apresentou uma flor e Makakasho sorriu, o zen
dispensou todas as formas de teorização, de instrução doutrinária, de
formalidades sem vida.
O
zen é fundamentado em sua prática e numa íntima, pessoal e intransferível
experiência da realidade.
Isso
não quer dizer que o zen seja o único caminho, a diferença é que outras formas
seguem fazendo curvas, galgando lentamente a montanha, procurando os melhores
lugares para subir, onde apoiar seus pés com segurança.
O
zen, coloca de lado todos os obstáculos e impecilhos, e se move em linha reta
na direção do objetivo.
Na
minha humilde opinião, os credos, os sistemas filosóficos, as religiões com
seus dogmas, seus mistérios da fé, suas contradições etc. não passam de idéias
acerca da verdade, da mesma maneira que as palavras não são os fatos
acontecidos, mas simplesmente a descrição do que já aconteceu, com o tempero de
quem as conta.
O
zen é uma enérgica e vigorosa tentativa de entrar em contato coma realidade,
com a verdade, sem permitir que teorias, símbolos e manipulações emocionais, se
interponham entre o conhecedor e aquilo que deve ser conhecido, entre a
experiência e aquele que a experiência.
É
sentir a vida em vez de sentir algo sobre a vida.
O
zen não tem muita paciência com sabedoria de segunda mão, conceitos mofados,
crenças empoeiradas e princípios desprovidos de sentido.
É
no seu método de instrução que o zen se distingue de todas as outras formas de
filosofia.
Em
princípio não existem ensinamentos doutrinários, estudo das escrituras, nem um
programa formal de acúmulo de conhecimento.
Naturalmente
que existem comentários, diálogos, textos, escritos, sutras a serem recitados,
formalidades a serem seguidas etc.
Mas
tudo o que se faz na prática zen possui o objetivo definido de nos trazer de
volta a realidade, de aumentar a percepção da interdependência de tudo e de
todos, de desenvolver nossa capacidade inata.
É
justamente aí que reside a importância do Fukanzazengui.
Dogen
de forma clara e objetiva, não ‘viaja’ em especulações metafísicas ou divaga
acerca da verdade, ele a mostra com riqueza de detalhes, usando várias
referências e passagens que iremos compartilhar ao longo do nosso estudo.
Foi
Eihei Dogen quem primeiro trouxe a tradição Soto Zen para o Japão,
posteriormente Keizan (1268-1325) tornou possível a popularização da Soto Zen,
estabelecendo as bases para a grande organização religiosa, que é hoje.
Dogen,
nascido em uma família nobre, rapidamente aprendeu o significado da palavra
"Mujo" (impermanencia).
Ainda
jovem, ele perdeu o pai e a mãe.
Decidiu então se tornar um monge e buscar a
verdade da vida.
Enquanto
praticava muitas dúvidas o assaltavam:
“O
Buda ensina que a iluminação é inerente a todos os seres, desde o início”.
Ora!
Se isto é assim, por que todos precisamos nos esforçar tanto para alcançar
a iluminação?
Esta
dúvida sempre aparece na mente de praticantes mais avançados.
Diferentemente
de Dogen, somos afortunados, podemos contar com a experiência e conhecimento de
Coen Roshi, mestra correta que incansavelmente nos guia através do labirinto de
nossas angústias, dúvidas e dificuldades.
Infelizmente,
Dogen não tinha nossa sorte, por mais que tentasse resolver seu dilema, ninguem
lhe dava uma explicação convincente.
Dogen,
uma das mentes mais brilhantes que o Japão já produziu, achava que a separação
do budismo em ramificações, denominações e seitas só o dividiria.
Todos
sabemos que quanto mais dividido e separado os elos de uma corrente, mais fraca
ela fica..
Ele
dizia que:
“Aqueles
que usam o nome de Seita Zen para descrever o grande caminho dos Budas e
Ancestrais, ainda não viram o caminho do Buda”.
Assim
pensando, entendeu que deveria ir á antiga Sung (China) e “beber” da fonte do
Dharma.
Dogen,
percebia que o budismo que lhe era ensinado estava imperfeito, faltava alguma
coisa, algo havia sido perdido durante sua jornada ao entrar no Japão.
É
lógico que devemos levar em consideração a época, o lugar e as pessoas
envolvidas.
Á
época o budismo era divido em três períodos (o período do Verdadeiro Darma, o
período da imitação do Verdadeiro Darma, e o período de declínio do Verdadeiro
Darma).
Na
opinião de Dogen ele estava vivendo no período de Declínio do Darma.
Entendia
que deveria se esforçar incansavelmente a
fim de resgatar o real espírito do Buda e captar sua essência diretamente, sem
se deixar envolver com dogmatismos ou separações doutrinárias.
Disse
Dogen: “Se você não praticar o Budismo nesta vida, sob o pretexto de que ele
está em um período de declínio, então em que vida você vai praticar”
Dogen
lutou valorosamente contra o fatalismo religioso, que era forte naquela época.
Acreditava
que se alguém tem fervor pela verdade, as limitações de tempo e lugar podem ser
transcendidas, e pode-se enxergar os Budas e ancestrais diretamente.
Acreditava
que esses três períodos não são períodos em tempo, mas sim, estágios no
desenvolvimento dos homens.
Muito
bem!
Para
podermos bem apreciar o texto em estudo, precisamos compreender corretamente o
pensamento e como ele entendia o budismo.
Dogen
reconhecia Sakyamuni Buda como mestre original.
Acreditava
num budismo totalmente integrado, que existia antes da divisão em Hinayana e Mahayana.
Entendia
que A Transmissão Ininterrupta do Verdadeiro Darma a partir do Buda deveria ser
corretamente transmitido de mestre para discípulo.
Mestre
Dogen efetuava seus ensinos tomando o exemplo dos grandes ancestrais, o
cotidiano e a realidade como referencia.
Em
vez de se manifestar exclusivamente através de koans, como faziam os mestres
chineses, ou por meio de abstrusas (*) teorias metafísicas, como faziam os
mestres hindús ele falava de forma clara e límpida, usando e abusando de
exemplos.
OK!
Então,
onde Dogen foi encontrar esse budismo corretamente transmitido...
(*)
Abstrusas - Difícil de compreender,
obscuro, sem nexo.
Á
época de Dogen o budismo tinha se ramificado em várias escolas.
As
principais eram:
As
que seguiam a forma ortodoxa e original (Theravada).
As
de recitação do nome do Buda Amida. (Terra Pura).
As
que se baseavam apenas no Sutra de Lótus (Tientai).
As
que praticavam tendo como prioridade o estudo dos koans (Rinzai).
As
que davam ênfase ás cerimônias esotéricas (Yogachara).
As
que usavam mantras (Tantra).
Como
bem diz o ditado: “Se algo está difícil de ser compreendido – retorne ao
início...”
Foi
exatamente o que fez Dogen.
Como
a prática que fazia não correspondia ás suas expectativas, nem respondia suas
perguntas, viajou para a China.
Ou
seja, retornou á prática ainda não contaminada, apesar de não ter sido fácil,
pois a maioria dos mosteiros da China também já estavam contaminados.
Para
tal, levou em consideração o fato de que todos os Budas do passado e do
presente, assim como os ancestrais da Índia atingiram a realização através da
prática ininterrupta da meditação formal.
Na
visão de Dogen não existia a necessidade de:
Praticar
ascese,
Repetir
incansavelmente um nome santo,
Competir
para ver quem possuía maior instrução acadêmica, nem perder
horas em cerimônias esotéricas.
No
Gakudo Yojinshu, está escrito: “Aqueles que praticam o caminho de Buda devem
primeiro ter fé nesse caminho”.
Isto
significa acreditar que todos possuímos “Natureza Buda” e, quando nos
sentamos em zazen já estamos realizando essa “Natureza Buda”.
Dogen
entendia que a prática do zazen não é um caminho que conduz a libertação, mas
uma prática religiosa realizada em estado de iluminação.
Zazen,
não é a prática do Buda antes de sua iluminação, mas sim a prática efetuada por
ele para e após sua libertação.
Dogen
dizia que zazen é o estado de Buda, a verdadeira prática do Buda e, aqueles que
se dedicam a isso são potencialmente Budas.
Prática
e iluminação são a mesma coisa.
“O
sábio verá, de imediato a verdade nas coisas comuns da vida, o tolo filosofará
a respeito disso...
Ha
han!!! Então tá !!!!!!
Neste
momento, talqualmente Dogen, perguntarão os senhores:
Se
prática e iluminação são um, para que fazer zazen?
Exatamente
por isso que ele escreveu o Fukanzazengui.
Está
escrito no Zuimonki: “Minha concepção
de budista é a pessoa que se entrega totalmente ao Darma. Leva uma vida
religiosa, sem incomodar-se com a iluminação. Se nos dedicamos de todo coração
ao budismo sem qualquer desejo de alcançar a iluminação, nos tornaremos o
próprio budismo”.
Uma
historinha para ilustrar ... Adoro essas histórias...
Quando
te perguntarem o que é ‘Aquilo”,
Não
deves afirmar nem negar nada.
O
que quer que seja afirmado não é a verdade.
O
que quer que seja negado não é verdadeiro.
Ninguém
pode dizer com certeza o que ‘Aquilo’ possa ser, enquanto não tiver
compreendido por sí só o que ‘É’.
E,
após tê-lo compreendido, que palavras podem ser ditas...
Portanto,
para seus questionamentos, oferece-lhe apenas o silêncio.
Silêncio
e um dedo apontando para o Caminho...
Só
o que precisamos é “ver”.
Vendo,
saberemos sem a necessidade da crença.
Muita hora nessa calma!!!
Antes
de continuarmos, faz-se necessário entender corretamente o conceito de Realidade e Verdade, conforme
entendia Dogen.
Dogen
declarava que as aparencias não tem verdade própria, não passam de uma sucessão
indiferenciada de condicionamentos que se neutralizam ou se eliminam uns aos
outros.
Dogem
alertava que não deveríamos nos deixar enganar pelos fenomenos ilusórios.
Aquilo
que pomposamente disignamos ‘realidade‘ nada mais é que um turbilhão gerado por
nossos sentidos, desejos, paixões, sensações e medos.
Nenhuma
solução é viável por muito tempo, fugir é impossível, os conhecimentos são
constantemente postos á prova.
Diz
o Sutra do Coração: gya te gya te - ha ra gya te - hara so gya te - bo ji sowa
ka…tendo ido, tendo ido, para a outra margem, a margem da iluminação. Salve.
Uma
vez tendo aberta a cortina obnubilante (*) dos fenomenos, tendo sido percebida
sua irrealidade, congenita, alcancamos uma percepção fresca e natural da vida,
vamos para o outro lado.
(*)
obnubilante - Nào conseguir ver o que
tem para ser visto – engano mental.
Dogen
é uma figura tão importante na história japonesa, que filósofos e estudiosos
fora da Tradição Zen declararam que a essência da cultura japonesa não pode ser
corretamente compreendida sem levar em conta este grande mestre zen.
Impressionados
com a profundidade do pensamento de Dogen, muitos japoneses ganharam uma nova
confiança nas potencialidades da sua cultura.
Dogen
goza de tão alta consideração, porque seus princípios, idéias e postulados são
universalmente aplicáveis.
É
o Fukanzazengui uma verdadeira obra-prima, que revela claramente o seu
pensamento e fé.
Dono
de um estilo conciso, como uma flecha atirada por um arqueiro profissional,
Dogen vai direto ao ponto, ao coração.
Seu
pensamento é nobre e profundo.
Sua
lógica afiada é por vezes incompreensível, tal é a profundidade de seu
despertar.
Tais
atributos não só o colocam na vanguarda do pensamento japonês, como também lhe
dá importante lugar na filosofia moderna.
A
importância de Dogen não é encontrada apenas na excelência de seus textos, mas
também em sua própria história de vida.
Nos
escritos de Dogen, encontramos teoria e prática, conhecimento e ação,
inseparavelmente entrelaçados ou como diz meu filho: ‘Tá tudo junto – Tá
junto e misturado’.
Dogen
ensina que devemos despertar completamente corpo e mente e experimentar essa
realização na ações do dia-a-dia.
Isso
não significa obter mero conhecimento intelectual, aumento de conhecimento
acadêmico ou ainda chafurdar em meio a conjecturas estéreis e sem vida.
Mas,
sim, viver uma vida real.
Os
textos de Dogen combinam tanto um profundo conhecimento com uma prática
verdadeira e é aí que reside a sua enorme grandeza.
Dogen
o escreveu entre os dias 05 de outubro e 10 de dezembro de 1227.
Tinha
então 28 anos e acabado de retornar da China.
Escreveu
o texto baseando-se no oitavo volume do compêndio Zennenshingi (Ch'an-yuan-ch'ing-kuei)
escrito por Tsung-che (Shusaku) em 1102.
O
objetivo de Dogen era popularizar a meditação (zazen) e ensinar o método
correto de praticá-la, parte que ele considerava imprescindível para o
entendimento do Darma de Buda.
O
texto foi escrito em chinês num estilo de prosa rítmica regular da Grande Sung.
No
texto Fukanzazengi Senjutsu Yurai (razão para compor o Fukanzazengi),
Dogen explica por que ele escreveu a obra:
‘Uma
vez que no Japão, nunca foi possível aprender sobre a transmissão fora das
escrituras ou o tesouro do verdadeiro olho do Dharma, muito menos os princípios
do zazen, logo que voltei para o Japão vindo da Grande Sung e os estudantes
começaram a vir a mim para instrução,
senti a necessidade, por causa deles, de compilar este trabalho sobre os
princípios universais do zazen.
Continua
Dogen no mesmo texto:
(...)
‘Há muito tempo atrás, o mestre chinês Po-chang construiu no seu mosteiro uma
sala reservada especialmente para a prática de zazen. Ao fazer isso ele
efetivamente transmitiu o verdadeiro estilo do Primeiro Ancestral Zen
Bodidarma’
(...)
‘No escrito chamado I-Tso-Ch'an (Zazengui) efetuado pelo mestre Chang-lu, constante dos Regulamentos Puros para o
Jardim Zen, Chang-lu mantém a mesma a intenção original do Po-chang, efetuando
algumas inserções e adições’.
Continua
Dogen:
‘Essas
alterações, adições e modificações feitas por Chang-lu resultaram em erros de
vários tipos e o texto não está muito claro em sua forma geral. As pessoas que
não conseguem perceber o significado por trás das palavras podem não entender
exatamente o que se está querendo dizer. Por essa razão, eu reescrevi de forma
clara e objetiva essas regras com os princípios corretos do zazen que eu
aprendi na Grande Sung na esperança de que eles transmitam o coração dos Budas
e Ancestrais’.
Ao
se comparar o Fukanzazengi de Dogen com o I-Tso-Ch'an de
Tsung-tse percebe-se claramente que Dogen, apesar de usar o texto como pano de fundo,
acrescenta exemplos, corrige distorções e explica o que não considerava
completamente claro na obra de Tsung-Tse.
Fukanzazengi
é o primeiro escrito no qual Dogen tenta transmitir a importância do zazen á
posteridade.
Embora
não faça parte da coleção Shobogenzo,
acabou sendo incluído por causa de sua grande importância.
Existem
duas versões do Fukanzazengui:
A
versão rufubon (popular),
editada em 1472 é a normalmente utilizada e pode ser encontrada no Koroku
ihei (coleção completa de Eihei Dogen);
A
versão chamada Tempuku, manuscrito do texto do ano de 1358, redescoberta
no início do século XX depois de ter sido oferecido ao templo de Eiheiji pelo
calígrafo Kohitsu Ryôhan em 1852.
Ambas
estão localizadas no cânone budista Taisho sob a referência: 2580, LXXXII.
Aguardem a parte II