Consideração do amigo Felippe:
Muito bom Sensei! Podemos fazer uma analogia entre "Mizu no Kokoro" e o terno "Fudoushin"?? _/\_ Gasshô
Resposta:
Hum! Creio que apesar das palavras serem parecidas, não são exatamente iguais, vou tentar explicar.
Mizu no kokoro está mais relacionado à capacidade de reação imediata sem os entraves da emoção ou sentimento, exatamente como a água, enquanto que Fudoshin é a imperturbabilidade, o espírito inabalável, o coração tranqüilo.
Na palavra Fudoushin é importante ressaltar que “shin” em japonês tem a conotação de coração/mente. Trata-se pois de um estado de espírito de grande estabilidade emocional, produzido pelo autoconhecimento e prática de mokuso (zazen).
Dizem os mestres que somente quando alcançamos esse estado de tranqüilidade é que criamos as causas e condições para o aparecimento da verdadeira paz e felicidade desapegada.
Neste mister, talvez fosse interessante entender o kanji com o qual se escreve a palavra Fudoushin.
A tradução mais simples seria Imperturbável. Nesse sentido a idéia que o kanji deseja passar é a um espírito indomável, imperturbável, completamente imóvel perante as adversidades".
O kanji com o qual é escrito se divide em três partes:
(Dou) significa "movimento" e,
(shin) é traduzido por “coração, mente e espírito”.
A concepção que se deseja passar com a palavra é a de que nossa mente, espírito e coração devem ser sem movimentos. Movimentos esses de medo, raiva, angústia, ressentimentos etc., ou como induz a tradução da palavra – Imperturbável sob quaisquer circunstâncias, independentemente do grau de dificuldade ou perigo.
A frase Mizu no Kokoro e a palavra Fudoushin possuem grandes afinidades, enquanto uma advoga a necessidade do demandante responder na “justa medida” ao desequilíbrio, a outra quer que permaneçamos “calmos e tranqüilos”, isso no plano físico, emocional e psicológico, tanto no triunfo ou na derrota, no sucesso ou no fracasso.
Mas como estamos conversando sobre conceitos abstratos, existe outra palavra muito interessante que se chama 平常心 (heijoushin). Esse kanji é formado por três ideogramas:
平 (Hei) que significa “plano e uniforme”.
常 (Jou) significa quotidiano, costante e,
心 (Shin) “coração/mente”.
Esse é outro conceito muito importante presente nas artes marciais. Diz respeito à capacidade de manter uma mente e espírito calmos, firmes e constantes, em todos os momentos, pois só assim pode-se reagir às dificuldades sem se deixar envolver por abstrações.
No passado, na época dos samurais, onde as lutas era de vida ou morte, estar imperturbável era vital para a sobrevivência. Independentemente da maestria que o samurai possuísse, se não tivesse desenvolvido a capacidade de se manter calmo e tranqüilo, a morte era inevitável.
Ora! Sendo Fudoushin a capacidade de se manter calmo numa situação difícil, heijoushin é a capacidade de se manter assim em todos os momentos da vida.
É como diz o ditado: ”Em tempos de paz todo soldado é bom, só se conhece um soldado em tempos de guerra”. É justamente no momento que mais se precisa que o destreinado perde a mente, alvoroça o espírito e descompassa o coração.
Tentando resumir... Sim, eu
sei que sou prolixo...
A união das três palavras
seria algo como possuir a capacidade técnica que permita a resolução de
qualquer problema (fudoushin), possuir um estado de mente e espírito sempre
calmo para que as coisas possam ser resolvidas sem emoção eu sentimentos
envolvidos (Heijoushin) e, responder de forma imediata e justa (mizu no kokoro).
Nas palavras do Monge Zen Tetsumyou Matsubara: "Em uma luta esportiva, você
deve fazer sempre o seu melhor, deve manter seu coração e sua mente
imperturbáveis, não se preocupe com o resultado final, apenas dë o melhor se sí.
Lutando assim, mesmo que perca, não há problema, você perdeu por que o adversário
era melhor. Apenas isso, não há nada mais. Mas, tendo perdido ou ganho, se você
ficar se vangloriando do sucesso ou ficar amargando a derrota, sua mente ficará
desequilibrada e instável, tendo perdida a necessária equanimidade. Para
desenvolver esse estado mental de fudoushin é necessária a prática formal de
meditação (mokuso)”.
Aproveito para colocar o Cap. 43 do Tao Te king : “É fácil manter a estabilidade enquanto as coisas estão
estáveis. É fácil lidar com as coisas enquanto elas não mostram sinal de irem
mudar. O que é frágil é fácil de quebrar, o que é pequeno é fácil de dispersar.
Mas há que pôr as coisas em ordem antes de haver confusão. Porque as coisas se
podem transformar nos seus opostos”.
Passeando um pouco mais pelos conceitos.
Todos os problemas
são “coisas da mente”. Devemos nos entregar no momento do fazer. Ao fazer
arroz, não temos que fazer um arroz delicioso, não temos que querer agradar
quem irá comer, não temos que acabar rápido para fazer a salada. A única coisa
que devemos fazer é não nos preocuparmos. A mente acha que precisa "fazer
um arroz delicioso", quanta energia desperdiçada!
Simplesmente,
vá e faça o arroz. E, no momento certo, em cada instante do tempo presente,
todas as questões que fossem surgindo (inclusive a intenção de deixar o arroz
delicioso) seráo naturalmente cumpridas... sem esforços... sem preocupações...
sem nada! Tudo que é preciso é apenas tomar a decisão de fazer o arroz... ir
lá, e fazê-lo.
O ser humano
está na ilusão de que é separado de tudo o que ele pode ver, sentir, tocar,
ouvir, cheirar, etc. A ilusão ocorre porque o homem não acredita que faz parte
do mundo, que possui a “Natureza Budha”, por isso a mente fica sem chão, sem
estabilidade, sem centro, como não conseguimos perceber o momento presente, em
sua plenitude, vivemos presos nas artimanhas da mente.
A mente não
acredita no fácil, ela gosta de complicar as coisas, não gosta de ficar sem
fazer esforço, tem medo de sumir, de perder a serventia.
Uma vez Alcançado este estado de "fazer, não fazendo", nos encontramos conosco mesmos, nos sentimos realizados com seja lá qual for a atividade que estejamos desempenhando. "Fazer arroz" é apenas um exemplo.
Uma vez Alcançado este estado de "fazer, não fazendo", nos encontramos conosco mesmos, nos sentimos realizados com seja lá qual for a atividade que estejamos desempenhando. "Fazer arroz" é apenas um exemplo.
Conseguir
manter esse estado em qualquer atividade, faz com que possamos nos divertir em qualquer
situação, mesmo um arroz queimado trás alegria no início, durante e no final.
Afinal, a satisfação não é encontrada apenas no final da atividade, quando o
objetivo é alcançado.
Oss!
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