Mas como teria se dado essa ligação?
Com o desmembramento do Japão em feudos e pequenos reinados, muitas guerras internas surgiram e a classe dos samurais se
viu diante de uma situação inusitada: Ter que lidar com o fato da morte iminente, tanto sua como de seus adversários, e a própria
impermanência de todas as coisas, que se lhes apresentava através das conseqüências das guerras e dos combates. É nesse contexto que surge o Budismo como uma altenativa para se poder trilhar um caminho de despertar para a realidade dos fatos da vida e de conforto espiritual.
Para o Shintoísmo, a morte é um fato impuro. Ao matar alguém, seja numa guerra ou em combate pessoal, o samurai tinha que se submeter a complicados ritos de purificação, dentro desse sistema. Já o Budismo, apesar de ter como uma de suas bandeiras a não-violência, não faz discriminação entre vida e morte, sendo esses, apenas dois aspectos da própria existência. São considerados como inseparáveis, assim
como as duas faces de uma mesma moeda ou de uma folha de papel.
Àqueles que buscavam o Budismo para receber orientação sobre a vida-e-morte, os monges transmitiam os ensinamentos de Buda e os métodos de meditação, principalmente o Zazen.
É interessante notar que o Zazen passou a ser a técnica por excelência dos praticantes de artes marciais,
pois além de levar a pessoa a despertar sua visão interior para contemplar a Verdade, ou seja, a vida-e-morte assim como ela é, proporcionava uma tranqüilidade mental e espiritual que se refletia
na própria técnica do guerreiro.
O espírito do Zen passou a permear as artes marciais na prática. Um praticante de Karate-Do, por exemplo, passou a utilizar o esvaziamento de sua mente e de seu espírito, tornando-se uno com seu adversário e assim, uno com
o próprio universo. Nesse momento, não há mais matar ou morrer, ou ainda, o próprio matar torna-se o morrer, e morrer
apenas o outro lado da mesma vida.
Com a mente una e “vazia” como a própria imensidão do universo, os movimentos podem se desenvolver sem passar pelo critério da discriminação intelectual. O karateca e seus movimentos e seu adversário tornam-se um só. Não há mais separação entre sujeito e objeto e assim as técnicas se concretizam por si só.
Entretanto, o Budismo prega o respeito pela vida e tem como um de seus votos principais o “não matar e não causar
mal a nenhum ser vivente”. Como lidar com esse fato se a razão da vida de um guerreiro é o matar?
Foi dessa maneira que muitos samurais se recolheram aos templos budistas para meditar e assim buscar um caminho de libertação desse mundo em que sofremos e produzimos sofrimentos aos outros seres.
Com o passar do tempo, as guerras tomaram outras proporções, armas de fogo muito mais sofisticadas começaram a ser utilizadas e a própria classe dos samurais foi extinta por édito imperial,
mas o espírito dos antigos guerreiros continua vivo em muitos templos e “Dôjôs” (local de prática do Caminho), através das artes marciais.
A palavra Dô que encontramos nos nomes das artes marciais é um indício disso. Karate-Do, Judô, Aikidô, Kyudô etc. Dô é a leitura japonesa do ideograma chinês Tao, que dentre tantos significados tem o sentido de “Caminho”. Um caminho de aperfeiçoamento espiritual, um caminho de desenvolvimento interior, um caminho de unificação com o Absoluto.
Assim sendo, o Caminho do Guerreiro (Bushidô), se transforma no próprio trilhar do Caminho para a Iluminação (Butsudô), que é o Caminho pregado pelo Buda.
Rev Shaku Haku-Shin