Saudações:

Em homenagem e reverência profunda à minha Mestra de Ordenação e Treinamento, Venerável Shingetsu Coen Osho.
Que seu Corpo-Dharma, seja como um diamante inquebrantável.
Que tenha próspera longevidade e saúde ilimitada.
Que nenhum mal a atinja.
Que todos os seus esforços sejam recompensados.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O budismo e as artes marciais

Segunda parte.


Mas como teria se dado essa ligação?

Com o desmembramento do Japão em feudos e pequenos reinados, muitas guerras internas surgiram e a classe dos samurais se viu diante de uma situação inusitada: Ter que lidar com o fato da morte iminente, tanto sua como de seus adversários, e a própria impermanência de todas as coisas, que se lhes apresentava através das conseqüências das guerras e dos combates. É nesse contexto que surge o Budismo como uma altenativa para se poder trilhar um caminho de despertar para a realidade dos fatos da vida e de conforto espiritual.

Para o Shintoísmo, a morte é um fato impuro. Ao matar alguém, seja numa guerra ou em combate pessoal, o samurai tinha que se submeter a complicados ritos de purificação, dentro desse sistema. Já o Budismo, apesar de ter como uma de suas bandeiras a não-violência, não faz discriminação entre vida e morte, sendo esses, apenas dois aspectos da própria existência. São considerados como inseparáveis, assim como as duas faces de uma mesma moeda ou de uma folha de papel.

Àqueles que buscavam o Budismo para receber orientação sobre a vida-e-morte, os monges transmitiam os ensinamentos de Buda e os métodos de meditação, principalmente o Zazen.

É interessante notar que o Zazen passou a ser a técnica por excelência dos praticantes de artes marciais, pois além de levar a pessoa a despertar sua visão interior para contemplar a Verdade, ou seja, a vida-e-morte assim como ela é, proporcionava uma tranqüilidade mental e espiritual que se refletia na própria técnica do guerreiro.

O espírito do Zen passou a permear as artes marciais na prática. Um praticante de Karate-Do, por exemplo, passou a utilizar o esvaziamento de sua mente e de seu espírito, tornando-se uno com seu adversário e assim, uno com o próprio universo. Nesse momento, não há mais matar ou morrer, ou ainda, o próprio matar torna-se o morrer, e morrer apenas o outro lado da mesma vida.

Com a mente una e “vazia” como a própria imensidão do universo, os movimentos podem se desenvolver sem passar pelo critério da discriminação intelectual. O karateca e seus movimentos e seu adversário tornam-se um só. Não há mais separação entre sujeito e objeto e assim as técnicas se concretizam por si só.

Entretanto, o Budismo prega o respeito pela vida e tem como um de seus votos principais o “não matar e não causar mal a nenhum ser vivente”. Como lidar com esse fato se a razão da vida de um guerreiro é o matar?

Foi dessa maneira que muitos samurais se recolheram aos templos budistas para meditar e assim buscar um caminho de libertação desse mundo em que sofremos e produzimos sofrimentos aos outros seres.

Com o passar do tempo, as guerras tomaram outras proporções, armas de fogo muito mais sofisticadas começaram a ser utilizadas e a própria classe dos samurais foi extinta por édito imperial, mas o espírito dos antigos guerreiros continua vivo em muitos templos e “Dôjôs (local de prática do Caminho), através das artes marciais.

A palavra que encontramos nos nomes das artes marciais é um indício disso. Karate-Do, Judô, Aikidô, Kyudô etc. é a leitura japonesa do ideograma chinês Tao, que dentre tantos significados tem o sentido de “Caminho”. Um caminho de aperfeiçoamento espiritual, um caminho de desenvolvimento interior, um caminho de unificação com o Absoluto.

Assim sendo, o Caminho do Guerreiro (Bushidô), se transforma no próprio trilhar do Caminho para a Iluminação (Butsudô), que é o Caminho pregado pelo Buda.

Rev Shaku Haku-Shin

O Budismo e as Artes Marciais

Primeira parte:

Não passa desapercebido para nenhuma pessoa que tenha algum interesse pela cultura oriental e nem mesmo a um desinteressado turista ocasional, que visita os países orientais, o fato de que o Budismo se tornou a base do desenvolvimento da cultura e da ética sócio-religiosa de praticamente todo o extremo oriente, especificamente do Japão.

Seria impossível a qualquer pessoa que tome contato com qualquer aspecto da cultura japonesa, deixar de notar a influência do Zen Budismo, nos fatos históricos, na arquitetura tradicional, na literatura, nas artes plásticas, artes marciais, artes sociais (“Ikebana”, cerimônia do chá, etc.) e na ética social japonesa. Também o folclore e a música clássica japonesa têm sua marca budista bem viva e até mesmo muitos dos feriados nacionais japoneses são datas marcadas pelo calendário budista.

Podemos observar também essa influência marcante da cultura budista na formação sócio-cultural japonesa, em aspetos como a introdução da escrita ideográfica chinesa (“Kanji”), através dos textos sagrados budistas (“Sutras”) e também no desenvolvimento e codificação dos “alfabetos” fonéticos simplificados (“Kaná”). E ainda, em aspectos legislativos, como por exemplo, o fato da primeira constituição japonesa, elaborada sob os auspícios do príncipe Shôtoku (573-621), ter tido influência estrutural do “Código de Manu”, de origem indiana, introduzido no Japão pelos primeiros monges budistas.

Também no Brasil, o papel do Budismo como fator de união sócio-cultural dos imigrantes japoneses é marcante em todos os grandes centros de aglutinação niponica e descendentes, influenciando também outros setores da sociedade ocidental. Podemos perceber isso claramente em movimentos conhecidos como “cultura alternativa”, que englobam desde a chamada “medicina alternativa” e artes marciais.

Mais especificamente no campo das Artes Marciais, alguns aspectos precisam ser esclarecidos para que se tenha uma ampla visão desse conjunto.

Muitos ocidentais ao tomarem contato com a cultura oriental através de filmes largamente divulgados pelo cinema e televisão, como os de Kung-Fu, Samurais, Ninjas e etc., acabam tendo uma impressão de que Budismo e Artes Marciais são inseparáveis e que todos os monges budistas seriam “experts” nessas artes, o que não passa de pura ilusão cinematográfica. Mas, ao mesmo tempo, o desenvolvimento das artes marciais do extremo oriente acabaram por fixar indeléveis conceitos budistas que vieram a se tornar inseparáveis da própria conduta de seus praticantes.

Conta-se que o próprio Buda Shakyamuni, em sua juventude, vivendo ainda como príncipe do povo dos Shákyas, ao sopé da cordilheira do Himalaia, foi adestrado nas artes de guerra, como luta corporal, arco-e-flecha, manuseio de bastão, lança e outras armas próprias de sua época. Entretanto, após ter atingido sua iluminação aos 35 anos de idade, pregou sempre um caminho de paz, harmonia e principalmente a não-violência (ahimsa).

Na China, muitos são os que atribuem a Bodhidharma (o introdutor do Zen Budismo, nesse país) a criação do Kung-Fu.

Outra arte marcial largamente difundida na China e praticada em muitos templos budistas é o Tai-Chi-Chuan, que é de origem Taoísta, mas que, assim como este último, foi sincretizado pelo sistema budista, nesse país.

O Budismo japones foi importado da China e da Coréia, sem trazer esses aspectos marciais. Mas, com o desenvolvimento histórico, grande foi o número de guerreiros da classe dos samurais que afluíam aos templos budistas, principalmente das escolas Zen e Jôdo (Terra Pura), buscando apoio espiritual, e chegando a existir uma categoria de monges guerreiros (Sôhei) em monastérios como os da Escola Tendai. Assim acabou se dando o nascimento de um conceito japonês de arte marcial que até hoje em dia é indissociável do Budismo.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Uma Mente Dispersa, não é uma Mente Feliz

As pessoas gastam quase metade do tempo em que estão acordadas pensando em alguma outra coisa do que aquilo que estão fazendo, e essa dispersão mental tipicamente traz a infelicidade.

Isso é o que foi verificado num estudo que usou um aplicativo para o iPhone para colher 250.000 dados sobre os pensamentos, emoções e ações dos participantes durante a sua rotina diária.

A pesquisa conduzida pelos psicólogos Matthew A. Killingsworth e Daniel T. Gilbert da Harvard University, foi descrita na revista Science do mês de Novembro de 2010.

"A mente humana é uma mente dispersa e uma mente dispersa é uma mente infeliz," relatam Killingsworth e Gilbert. "A habilidade de pensar sobre o que não está acontecendo é um grande avanço cognitivo mas que tem um custo emocional."

Ao contrário de outros animais, os humanos gastam muito tempo pensando sobre coisas que não estão acontecendo à sua volta: contemplando eventos que aconteceram no passado, que podem acontecer no futuro, ou que nunca acontecerão. Na verdade, parece que a mente dispersa é o modo de operação automático do cérebro humano.

Para avaliar esse comportamento, Killingsworth desenvolveu um aplicativo para o iPhone que contatava 2.250 voluntários em intervalos aleatórios perguntado-lhes quão felizes se sentiam, o que estavam fazendo naquele momento e se estavam pensando sobre a atividade que estavam realizando ou sobre qualquer outra coisa - e, neste caso, se era um pensamento agradável, neutro ou desagradável.

Os participantes podiam escolher de uma lista de 22 atividades gerais como caminhando, comendo, comprando ou assistindo televisão. Em média os respondedores relataram que as suas mentes estavam divagando em 46.9% do tempo e que nada menos do que 30% durante qualquer tipo de atividade exceto na relação sexual.

"A dispersão mental parece estar presente em todas atividades," diz Killingsworth, que estuda para o doutorado em Psicologia na Harvard. "Este estudo mostra que as nossas vidas estão impregnadas, num grau significativo, pela não-presença."

Killingsworth e Gilbert, que é professor de psicologia na Harvard, descobriram que as pessoas se sentiam mais felizes numa relação sexual, se exercitando ou conversando. Elas se sentiam menos felizes descansando, trabalhando ou usando um computador.

"A dispersão mental é um indicador excelente para predizer a felicidade das pessoas," diz Killingsworth. "Na verdade, a freqüência que as nossas mentes abandonam o presente e para onde tendem a ir é um melhor indicador para predizer a nossa felicidade do que as atividades com as quais nos ocupamos."

Os pesquisadores estimaram que apenas 4,6% da felicidade de uma pessoa num determinado momento podia ser atribuída a uma atividade específica que ele ou ela estavam desempenhando, enquanto que o estado de dispersão mental respondia por cerca de 10,8% da sua felicidade.

Análises de "intervalo causa-efeito" (time-lag) conduzidas pelos pesquisadores sugerem que a dispersão mental dos participantes era em geral a causa, não a conseqüência, da sua infelicidade.

"Muitas tradições religiosas e filosóficas ensinam que a felicidade pode ser encontrada ao viver no momento presente e os praticantes são treinados a evitar a dispersão mental e 'permanecer no aqui e agora,'" relatam Killingsworth e Gilbert na revista Science. "Essas tradições sugerem que uma mente dispersa é uma mente infeliz."

Essa nova pesquisa, dizem os autores, sugere que essas tradições estão corretas.

Os 2.250 participantes no estudo de Killingsworth e Gilbert tinham entre 18 e 88 anos, com uma ampla diversidade sócio-econômica e de ocupações, sendo que 74% dos participantes eram americanos.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Os seis reinos da existência.


Um primeiro entendimento versa que para podermos compreender os seis mundos é necessário “vê-los” como mundos não visíveis existindo simultaneamente. Os seres renascem nesses mundos, seguindo sua herança kármica e suas afinidades com os outros seres que lá vivem.
O segundo entendimento consiste em associar os seis mundos com as tend
ências psicológicas dominantes dos seres humanos e a diversidade das circunstâncias da sua vida.
Por fim, a um n
ível mais sutil ainda, podemos dizer que cada um dos nossos pensamentos e das nossas reações, pertence a um dos seis mundos.
A cosmologia budista declara que o universo atravessa continuadamente várias etapas, sendo que cada uma dessas etapas possui um ciclo de nascimento, desenvolvimento e declínio que dura bilhões de anos e, em cada etapa de nascimento e desenvolvimento existem os seis reinos.

1- O Reino dos Infernosnaraka.
Esse reino é produzido pela agressividade. É um mundo de terror onde reina um sentimento de insustentável claustrofobia e onde os seres se vêem uns aos outros como inimigos. Situa-se na parte inferior. É o mais baixo e desprezível reino. As descrições falam de planícies e montanhas de ferro em fogo, atravessadas por rios de metais em fusão. O calor é sufocante o céu está sempre em brasa e ali todos sofrem diversos tipos de torturas. Pelo que dizem os textos, o sofrimento desses mundos é verdadeiramente inconcebível para nós.
No inferno frio, a paisagem é apenas neve, gelo e desolação. O frio é tão intenso que só se avista neve e gelo. Nesses infernos recaem os seres violentos que não aceitam a ponderação e o acordo.
Em rela
ção à cultura ocidental é interessante notar duas coisas. Primeira é que o inferno budista não é eterno. O tempo é muito longo, mas, quando o karma que fez “nascer” nesses locais se esgota, renascemos noutro sítio.
A segunda
é que o fato de renascermos no inferno não é um castigo infligido por alguém, a partir do julgamento moral das nossas ações, mas uma conseqüência lógica de termos alimentado estados mentais e físicos agressivos e paranóicos. Segundo os sutras, esse reino provoca estados mentais de grandes e insuportáveis dores e sofrimentos. O ódio, a aversão, a culpa e o remorso são os sentimentos que habitam os seres nesse reino.

2 - O Reino dos Espíritos famintos (fantasmas ou Espíritos Ávidos)pretas.
 Como resultado de um desejo incontrolável caímos no mundo dos espíritos famintos que são atormentados pela fome e pela sede sem jamais se sentirem satisfeitos. Tradicionalmente são representados com um estômago do tamanho de uma montanha, um pescoço da espessura de um cabelo e uma boca do tamanho do buraco de uma agulha, são assim condenados a uma fome e sede constantes. O sofrimento deste mundo é um pouco menos intenso que o dos infernos e o tempo um pouco mais curto. Apesar de ser um pouco menos desfavorável que o reino dos infernos, ainda é um estado miserável. Os sutras descrevem os habitantes neste reino, como seres que vivem em constante sofrimento. Sentem muita fome e sede, quando encontram o que comer, há uma enorme dificuldade para engolir, pois a comida passa pela garganta com muita dificuldade. Mesmo assim, a fome é tanta que eles tentam comer qualquer alimento que possam. O castigo deles é que tudo de desce por suas gargantas o faz como fogo, queima seu organismo de uma forma terrível. Por mais que comam nada os satisfaz, continuam sempre com fome e sede, procurando mais comida e bebida na tentativa de saciar uma ânsia que não tem fim.

3 - Reino animal - tiryak.
Sob a influência da estagnação mental, da ignorância, da inércia e da estupidez caímos nesse reino, o único dos mundos não humanos que nos é diretamente perceptível. O mundo animal é dominado pelo torpor e pela falta de iniciativa, pela ausência de sentido de humor e de inteligência criativa. Sua condição é considerada inferior por não possuírem a liberdade para decidir que tipo de comportamento deve ser adotado em cada situação específica e por terem pouca ou nenhuma capacidade para obter o mínimo de bem-estar, apesar de alguns deles, por herança karmica terem uma vida bastante tranqüila.
Quanto à libertação definitiva do sofrimento, um animal não tem essa capacidade, nem possui os meios de desenvolvê-la.
Os seres dos infernos, os esp
íritos famintos e os animais constituem os três mundos inferiores onde o sofrimento é tão intenso e tão incessante que é impossível questionar-se sobre o sentido da existência ou buscar uma via espiritual. E o pior é que nesses reinos inferiores a possibilidade de produzirem mais Karma negativo é grande, perpetuando essa condição.

4 - O Reino Humano – manushya.

Neste reino o equilíbrio entre felicidade e infelicidade é de 50%, os seres humanos sabem por intuição que por maior que seja a sua dor, sua alegria acabará chegando e, por maior que seja sua dor, a alegria acabará retornando. Os sutras distinguem quatro sofrimentos que afetam os humanos.
O primeiro é
o nascimento. O bebê nasce com percepções: Ouve, sente e vê a luz. Embora haja cada vez menos mulheres que morrem de parto e menos crianças que morram ao nascer, não é propriamente um momento de prazer, nem para a mãe nem para a criança.
O segundo grande sofrimento
é a velhice. Dentes postiços, cabelos pintados, bootox e silicone permitem esconder ou retardar os sintomas dessa irremediável fase da vida. Mas, apesar de podermos melhorar nossa aparência, não conseguimos impedir os sintomas da decrepitude: A memória e a visão diminuem, a paciência esgota-se, a curiosidade se apaga. Pouco a pouco o mundo nos ultrapassa, sem qualquer consideração por nossa experiência de vida, as novas gerações tomam nosso lugar, deixam de nos respeitar e nos escutar.
O terceiro
é a doença que ataca novos e velhos sem distinção. Ao sofrimento da doença juntam-se os inconvenientes dos tratamentos, sempre dolorosos e caros, se não tiver assistência médica então, está perdido. As deficiências causadas pela idade nos torna dependentes de outros. O corpo humano é uma máquina complexa e altamente sofisticada. Um arranhão nos faz sofrer, uma corrente de ar nos constipa, um ínfimo mosquito pode nos matar.
O quarto grande sofrimento
é a morte. Mesmo se adoecermos raramente e vivermos até muito velhos não escapamos à morte. Ao morrer temos de deixar tudo aquilo que amamos. Não é fácil nem agradável, ter que partir sem poder levar nada, rumo ao desconhecido.
Todos os seres sentem a ang
ústia da morte. Já vi lágrimas nos olhos de uma vaca quando era levada para o matadouro. A morte, essa derradeira e inevitável separação de tudo o que nos é familiar, embora certa, surpreende-nos sempre.
Al
ém disso os seres humanos receiam confrontar-se com a adversidade, não obter o que desejam, perder o que têm, etc. A condição humana, embora privilegiada no ciclo dos renascimentos, possui muitas vicissitudes, desilusões e sofrimentos intensos e variados. O Brasil é o país onde se vende mais antidepressivo do mundo, ora, uma pessoa feliz não compra calmantes...
A humana é
a primeira das existências dos reinos superiores, esse nível é o único dotado das condições necessárias para o progresso espiritual. Porém, estar no reino humano não garante esse progresso.
O valor da vida humana é
variável e apenas uns poucos se situam no patamar possível ao desenvolvimento espiritual. Renascer como humano, é quase um milagre, por isso não podemos nos dar ao luxo de não praticarmos. Dizem os sutras que a vida humana é considerada preciosa, quando não está sob o domínio das ações, atos e pensamentos.

5 - O Reino dos Semi-Deuses (divindades humildes, titãs, antideuses ou deuses invejosos) - Asuras.

O resultado de ações positivas realizadas com alguma inveja ou com um sentido de competição, condiciona o “nascer” no mundo dos semi-deuses. É relatado que no mundo dos semi-deuses, existe uma árvore gigantesca cujos frutos só podem ser colhidos pelos deuses, que habitam um reino acima. Achando que os frutos da árvore deveriam ser seus, os semi-deuses sentem inveja dos deuses. Infelizmente para eles, o karma dos deuses é superior e os semi-deuses sofrem por não poderem se satisfazer com os frutos da tal árvore. Os semi-deuses vivem num estado muito alegre e feliz, mas como ainda possuem o sentimento da inveja e da competição não se espiritualizam porque estão imersos em facilidades e felicidades, deste modo, esgotado suas reservas karmicas renascem em outro reino – dizem os sutras.

6 - O Reino Divino Devas.

Pouquíssimas ações negativas, muitas ações positivas realizadas com alguma noção de individualidade e superioridade condiciona o renascimento no mundo dos deuses. Ao falarmos de deuses, estamos falando de seres que possuem uma condição mais elevada e mais feliz, sem que esta denominação tenha qualquer conotação transcendente. Não se trata de seres a quem nos dirigimos para obter favores e muito menos a libertação do sofrimento, mas seres muito favorecidos. Em vez de viverem em ambientes horríveis e sofrerem horrores, vivem num lugar lindo do qual não têm a menor vontade de sair. Na verdade, nem sequer se apercebem do quanto são livres, tão absorvidos estão na satisfação dos prazeres mais sofisticados.
Os sutras descrevem tr
ês tipos de níveis ou residências divinas: o do desejo, o da forma e o do sem forma.
Os deuses no nível do desejo têm vida muito longa e uma inconcebível capacidade de satisfaç
ão dos prazeres dos sentidos. Os textos descrevem-nos como sendo belos com perfumados corpos luminosos. Seu único sofrimento é no momento da dissolução, pois pouco antes de morrerem aparecem sinais precursores do seu declínio, sendo então rejeitados pelos outros deuses. Como têm clarividência, vêem o local onde vão renascer e, quando se trata de um mundo inferior, sofrem terrivelmente com a sorte que os espera.
Os deuses do n
ível da forma e sem forma são seres que, como resultado de sua herança karmica, advinda de práticas espirituais avançadas, nascem em níveis de existência superiores e usufruem de experiências muito profundas, durante um período de tempo muito longo.
Não se trata do reino de Deus, descrito em outras religiões. No mundo sutil, eles ajudam os seres humanos em dificuldades, mas são benefícios condicionados, e não do tipo que produz libertaç
ão. Esse reino é o que os seres humanos buscam em seus sonhos. Vivemos almejando, trabalhando ou sonhando chegar lá.
Segundo os textos, karma extremamente positivo, combinado com quase nenhum karma negativo, condiciona o nascimento nesse reino. É
importante ressaltar que todos os reinos, desde os mais miseráveis até os mais felizes, estão sob o controle do desejo. Os seres no nível sem forma não experimentam nenhum sofrimento e não possuem desejos. Existem em forma sutil e suas mentes tem acesso a absorção do espaço infinito, absorção da consciência infinita e absorção do nada, mas tendo esgotado seu karma positivo, podem renascer em outros níveis. Para que não haja mais renascimento, devem se transformar na sabedoria primordial, pois ainda se encontram presos a roda do sansara, como não tem o poder de permanecerem nesse estado “ad eternun” ainda sofrem com isso.

Considerações: Se levarmos em conta a afirmação constantemente repetida de que podemos experienciar os seis reinos de existência em um único dia e, que em apenas 24 horas temos a capacidade de migrar pelos 6 reinos e sofrer os seus efeitos. podemos intuir que o sofrimento provém não da realidade objetiva desses reinos, mas sim, do fato de conferimos realidade a eles. Por outro lado, talvez não fosse contraditório dizer que a experiência sentida em cada reino “é” real, e ao mesmo tempo “não é. Ora! Se o reino humano e o animal são reais, então todos os demais reinos também o são, porque os seres que neles habitam os experimentam como reais. Um fácil exemplo é perguntar a um presidiário como é a sua vida, ele certamente vai responder que é um inferno. Creio que a dificuldade do leigo em aceitar a existência de outros “mundos”, deriva do fato de seus sentidos não captarem todas as imagens observadas por sua retina, mas apenas aquilo que é capaz de identificar em função dos hábitos adquirido.

Li numa revista que uma equipe de antropólogos quando estudava as reações de uma tribo primitiva afastada da civilização, projetaram um filme onde apareciam cidades, carros, aviões, relógios, elevadores, arranha-céus e homens indo para o trabalho. Os espectadores não tiveram qualquer reação até o momento em que, durante uma fração de segundos, o aparecimento de uma galinha na tela provocou ruidosas exclamações. Após a projeção os antropólogos recolheram as impressões: a única imagem que os indígenas tinham retido era a da galinha. Por conseguinte, mesmo que fôssemos confrontados (e somos) com formas de vida de outros reinos ou níveis de existência, não as reconheceríamos, porque vemos apenas aquilo que a nossa estrutura mental permite, estrutura mental essa, condicionada pelo reino que estiver habitando.
Falando de uma forma puramente qualitativa, cada aflição mental ou sabedoria propicia a queda ou a ascensão a um dos níveis superiores ou inferiores. Ou seja, o ódio leva ao inferno. A ganância aos fantasmas famintos. A estupidez ao animal. O apego ao humano. A inveja ao semi-deuses. O orgulho aos estados divinos.
Agora, quantitativamente, estes diferentes estados resultam do Karma. Karma negativo joga o sujeito no reino infernal. Karma um
pouco menos negativo, no dos fantasmas famintos. Um bocadinho menos no reino animal. Se o Karma positivo está misturado com alguns aspectos negativos, caímos em um dos 3 reinos superiores e assim por diante.

Getulio Taigen

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

À NOITE



Chega em casa, cansado da labuta, da faina diária, encontra-se com a família, beija a mulher que mal levanta os olhos das unhas a serem aparadas, beija o filho, que por um instante esboça um leve esgar de satisfação, logo obscurecido pelo ribombar dos socos e chutes do “Dragobol Z” que ele assiste na tv a cabo. Quantos não repetem diariamente esses gestos sem emoção, quantos atos efetuados apenas por costume.

Alheio ao burburinho exterior, como é costume queda-se silencioso, em paz no lugar onde os mundos não se distanciam. Está só, sempre esteve, sozinho em meio as imensas forças do cotidiano que neste momento se calam e se aquietam no interior de si mesmo.

 Algumas marcas invisíveis ainda doem do esforço do dia, ele observa seu corpo sem muito interesse, não consegue perceber as muitas marcas tatuadas pelas agruras de viver, a não ser aquelas relativas ao tempo.  Sente a dor, aquela que não dói, que não marca, que não deixa seqüelas visíveis.

Ri, da não mais tão estranha dimensão do sofrimento humano. Sorri, um sorriso amarelo pelo tempo perdido em que ainda não enxergava vida, mas percebe claramente que a dor ainda reverbera, que ainda ressoa, e se queda espantado pelos traços ainda não totalmente apagados do medo, do cansaço, da desesperança e da sensação de solidão e escuro. Como uma criança assustada pelos terrores da longa e escura noite, senta-se na almofada de meditação.

Ao longo do meditar... lembra-se daquele que há tantos meses trabalha sem receber salário, daquele que se esforça para entender o que não faz sentido, daquele que ganha muito para fazer pouco, daquela que tem que se virar em duas para poder criar os filhos e praticar, de outra ainda um pouco confusa, um pouco perturbada em meio a escolhas incorretas efetuadas na vida, de outro ainda que quase se afoga em meio a tantos rituais e sistemas que criou para se sentir seguro.

Lembra de tantos que passaram, que estão passando, afinal tudo é como uma repetição quase enfadonha, uma estrofe repetida dia-a-dia, ano após ano.

Ainda escuto o recitar dos Sutras de um praticante efetuado sem muita convicção, sem muita segurança, como que preocupado com o que pensarão, caso ele erre. E daí se errar.

No decorrer da meditação, percebo a sensibilidade começando a ser manifestar, pela retirada dos destroços, pelo apaziguar dos apegos, pelo amenizar dos desejos.

Conhece o caminho. Sentado sem pressa, sem medo, sem incômodo.

Conhece o caminho, já passou por ele, lembra-se ainda dos percalços da estrada, dos buracos, das armadilhas, das imagens transbordantes, muitas vezes também escutou os lamentos, também deu o grito que ficou parado no ar.

Olha para a imagem do altar, e pensa que talvez não devesse existir esse altar, um altar, qualquer altar, mas abre a metáfora de “depois” tão incômodo, virulento e inconstante, que é melhor remetê-lo para um simples e verdadeiro aqui-e-agora... Tem a mais absoluta certeza de que somente agora haverá descanso, paz.

Para que descansar do longo dia, por que precisa adormecer, por que desligar-se, não precisa, a meditação por si só é bastante suficiente.

Permanece em silêncio, os gritos fantásticos de outrora já não lhe rondam a mente, não mais escuta o gemer oriundo do vale de lágrimas da civilização perdida de si mesmo.

Permanece em silêncio, pensa no apocalipse possível pelo acúmulo da dor e da infelicidade das vidas esmagadas pela desesperança e pela ilusão.

 Lentamente respira, profundamente aspira com o seu inspirar todo o universo. Sereno ele busca, no único lugar onde sabe poder encontrar, procura no centro do “agora” a “luz”.

Seus olhos vagueiam despreocupados pela parede marcada com as mãos e pés de seu filho bagunceiro.

Percebe os intuitos egocêntricos, relaxa na sua imóvel solidão por todos acompanhada, respira em paz e se identifica com a dor de todos, ainda se lembra da angústia de existir em um mundo onde as escolhas a que somos obrigados a fazer nos jogam dentro do caldeirão onde estão misturados em doses abundantes a ganância, a raiva e a ignorância.

Respira... Quieto em si... Renova seu voluntário sacerdócio, seus votos de praticar e ensinar o verdadeiro caminho para a comunidade que acompanha, para aqueles que buscam... Tenta se lembrar em como chegou até este ponto, sofrendo, doído, trôpego, ferido... das chagas abertas, das dúvidas, da sensação de ter sido continuamente vencido, da humildade aprendida em meio as sucessivas falhas. Dos erros, dos castigos ou o medo de sofrê-los... Dos limites atuais de suas ações, do tatear, do buscar novas maneiras, novos métodos, da percepção aguda dos limites que o cercam.

Como é natural, também se lembra dos sucessos, das vidas que desabrocham em um cântico de louvor a si mesmas... Da expressão de beatitude resgatada, da alegria e da felicidade manifestada.

Lembra de muitos colegas, materialistas de carteirinha, perdidos e aprisionados em suas irreais construções mentais, alheios inteiramente à verdade que bate em suas portas, que se encontra na frente de seus narizes empertigados e empoados de tanta arrogância, de tamanha prepotência e enorme estupidez, alheios inteiramente de si mesmos e de suas enormes possibilidades.

Terminando sua meditação noturna o homem olha o ilusório mundo formado pelos erros repetidos incansavelmente pelos imbecis, pelos idiotas, pelos fanáticos religiosos, pelos preconceituosos de plantão semi-ocultos nas esquinas da vida, pela vã tentativa de nos sentirmos diversos dos desfavorecidos, dos habitantes dos guetos, dos diferentes, dos opostos.

Relembra-se do medo que tinha do mal, do profundo mal subjacente ao gênero humano, da latente destrutividade, das veladas e temíveis intenções escondidas no recôndido do coração dos homens.

Finaliza a sessão, respira profundamente, calmo, renovado... só, mas totalmente unido a todos.

Balança-se de um lado para o outro, desfaz a postura, levanta-se, efetua uma leve mesura para a querida almofada que sempre o recebe tão carinhosamente.

Em seus lábios há um que de abandono infantil.

Amanhã... me esforçarei mais...

O amanhã não existe... me esforçarei hoje.

Getulio Taigen

sábado, 24 de setembro de 2011

A PRIMAVERA CHEGOU!!!


“Quando a velha ameixeira desabrocha, o mundo inteiro desabrocha.
Quando o mundo desabrocha a primavera chega.
As cinco pétalas desabrocham como uma só flor – três, quatro, cinco, cem, mil, incontáveis flores desabrocham.
... Todas essas flores crescem em um, dois, incontáveis galhos da velha ameixeira.
Uma flor udumbara e uma flor de lótus azul também desabrocham no mesmo galho.
Todas essas flores constituem as graças da antiga ameixeira.
Tal ameixeira antiga cobre os mundos humanos e celestiais. Esses mundos surgem da velha ameixeira. Centenas de milhares de flores são as flores dos seres humanos e celestiais.
Milhões de flores são as flores dos Budas e Ancestrais do Darma. Quando essa espécie de ameixeira desabrocha, todas e todos os Budas surgem neste mundo e Bodidarma se manifesta.” (Shobogenzo Baige – Mestre Eihei Dogen)


Que ameixeira antiga é essa? O universo inteiro contido em uma pétala suave, delicada, branca, macia, perfumada. Cada pétala um universo completo. Um novo ano/ciclo se anuncia.
Renovação da vida. O ano novo era marcado pelo despertar da Primavera depois das neves de inverno no Hemisfério Norte. Mantemos a tradição, embora estejamos aqui em meio ao nosso inverno sem neve, onde cada raio de sol é o desabrochar da vida em sua plenitude de transformação contínua.

Rituais e datas são meios expedientes para nos lembrar que cada instante é sagrado e jamais se repete. Como vivemos nossas vidas? Agradecemos cada experiência ou reclamamos incessantemente? O que fazemos em relação ao que nos indigna? Podemos transformar a raiva em ação amorosa, podemos compreender e agir com ternura, podemos nos tornar suaves e fortes, sem medo e sem obstáculos, percebendo em cada dificuldade um portal de entrada para essa pequena e sutil mudança que pode mudar toda a vida no planeta – a Compaixão.
Se desvendarmos nosso olhar sagrado que protege, guarda e mantém o Darma Correto poderemos sorrir o sorriso de Buda e reconhecer a nossa íntima irmandade com todos e todas as Ancestrais do Darma.
A ameixeira desabrochando na neve é a manifestação da flor udumbara, escreve Mestre Dogen:

“Temos a oportunidade de ver o Correto Darma em nossa vida diária, mas muitas vezes perdemos a oportunidade de sorrir e mostrar nossa compreensão”.

Na primeira transmissão histórica, Xaquiamuni Buda ao invés de falar para uma grande assembleia manteve-se silencioso. Levantou a flor udumbara, piscou os olhos e sorriu. A grande maioria nada entendeu, mas Makakasho, seu discípulo, olhou para o Mestre e sorriu de volta. Então Buda disse:
”Eu possuo o Olho Tesouro do Correto Darma e a Maravilhosa Mente de Nirvana (Shobogenzo Nehan Myoshin) e agora o transmito a você, Makakasho.”

O desabrochar da velha ameixeira, o renascer da vida em cada pequenina flor, é a transmissão do Darma. É a Primavera. É o raio de sol refletindo as folhas verdes como joias preciosas. É o novo ano. Momento de transformação, época de transmissão.
Que possamos sorrir e compreender tanto o silêncio, quanto a palavra.
Que possamos manifestar em nosso falar, agir e pensar a Verdade Perfeita que
incansavelmente, explicitamente, nos mostra o Caminho Iluminado.
Este novo ciclo pode se tornar a flor udumbara, a flor de lótus da Lei Maravilhosa, a mente de tranquilidade sábia, o Correto Darma se manifestando. Depende de cada um de nós.
Que possamos sentir a suave fragrância das delicadas pétalas em nossos gestos, pensamentos, palavras e nos renovemos através da ternura sábia, da compaixão infinita, da sabedoria suprema, abrindo nossas mentes e corações para o encontro, o compartilhamento, a capacidade de ouvir e falar a partir da grande intimidade com a essência da vida.

Monja Coen

(texto: “Ano Buda 2572”, adaptado para a primavera do ano Buda 2577=2011 EC)

A DISCUSSÃO É INÚTIL E O ZEN É POP.

“Se o adversário é inferior a ti, porque brigar;

Se o adversário é superior a ti, porque brigar;

Se o adversário é igual a ti, compreenderá o que tu compreende;

Então... não precisará haver luta.”

Todos os debates são inúteis, o próprio debater é uma idiotice, ninguém pode atingir a verdade pela discussão. Todas as discussões são uma grande perda de tempo, porque provocam um clima no qual qualquer entendimento entre duas ou mais pessoas se torna insuportável, onde qualquer coisa dita é sempre mal interpretada. Uma mente que está disposta a vencer, a conquistar, não consegue compreender nada. Isso é impossível porque a compreensão necessita de uma mente tranqüila e não violenta. E quando você está lutando pela vitória, você tem, obrigatoriamente, que ser violento.

Discutir é um ato de violência. Através dele você pode até matar, mas nunca ressuscitar. Através dele você pode até aleijar, mas nunca curar. Através dele a verdade, pode ser assassinada, mas nunca recuperada. O debate é sempre violento. Nele, sua própria atitude é sempre violenta. Na verdade você não está em busca da verdade, está em busca da vitória, seja por uma argumentação mais lógica, por uma erudição maior, ou ainda pela força física ou status. Quando a vitória é a meta, a verdade é sacrificada. Quando a verdade é a meta, você pode sacrificar a vitória.

Apenas a verdade pode ser a meta; a vitória não. Quando a vitória é a meta você se torna um político. Você fica agressivo, está sempre tentando vencer o outro, esta sempre tentando dominar e tiranizar de todos os modos possíveis. A verdade não pode nunca se transformar em dominação, não pode nunca destruir.

A verdade não pode ser uma vitória, quando essa abstrata vitória significa derrotar alguém. A verdade trás humildade, modéstia. Não uma viagem em prol de sua vaidade, de seu orgulho, do seu ego, como o são todas as brigas. A briga nunca conduz ao real; sempre caminha para o ilusório, para o não verdadeiro, porque a própria sensação de vitória é estúpida! Verdade significa nem “eu” nem “você, na discussão, ou eu venço ou você vence; a verdade mesmo nunca é vencedora.

Aqueles que estão realmente na busca permitem que a verdade vença a ambos, enquanto que os competidores esperam que a vitória pertença apenas a si mesmos, não aos outros. Entretanto, os outros não existem. Na “verdade” nós nos encontramos e nos tornamos “um”. Assim quem pode ser o vencedor? Quem pode ser o vencido? Na realidade ninguém é vencido ou vencedor.

Como você pode entender o seu oponente se você está contra ele? O entendimento é impossível. O entendimento necessita de simpatia, de participação, de calma, de serenidade. Entender significa ouvir o outro totalmente. Ao discutir, debater, argumentar, racionalizar, você não ouve o outro, apenas finge ouvir e, interiormente, fica se preparando. Por dentro, você está se armando para a próxima jogada pronto para rebater, quando o outro parar.

Na briga a verdade não é significativa. Por isso a comunhão nunca acontece; você pode argumentar, e quanto mais argumentar, mais se separará do outro. Quanto mais discutir, maior será a separação, até tornar-se um enorme abismo.

Verdade significa simpatia; verdade significa não argumentar. Você veio para ouvir, para buscar a verdade, não para discutir, você veio para entender, não para vencer. Você não veio para ganhar, pelo contrário está pronto para perder.

Pela lógica, pela argumentação, pelo conhecimento, as pessoas tornam-se alheias uma as outras, tornam-se estranhos. Como você pode achar a verdade se não consegue entender o oponente, se não é capaz de nem mesmo ouvi-lo, se a sua mente por dentro, continua brigando, discutindo? Você é violento e essa agressão não o ajudará. Todas as brigas são fúteis, nunca levam a nada.

Quando você vence com a verdade, seu oponente não é derrotado, a verdade foi quem venceu, e o outro fica feliz. Ele se sente vitorioso com sua vitória, ele participa. Está não é uma vitória sua, a verdade venceu e, ambos podem celebrar. Mas quando você derrota uma pessoa, ela nunca é vencida. Permanece inimiga. No íntimo, fica esperando pelo momento certo de reivindicar seus direitos, de correr atrás do prejuízo.

A menos que você se unifique com a vida, nunca poderá conhecer a verdade. A unificação com a vida só acontece dentro de você. Não existe nenhuma maneira de conhece-la do lado de fora. Você pode andar o mundo todo, rodar de um lado para o outro, mas nunca descobrirá a verdade. Ela está dentro e não fora.

A vida não é um problema. Se você estiver tentando resolve-la, não a compreenderá. A porta da verdade está aberta, nunca esteve fechada. Se a porta estivesse fechada, os cientistas, os políticos e os brigões de plantão encontrariam uma maneira de fabricar a chave.

Quando você procura briga, você a encontra. Mesmo que ninguém o insulte, mesmo que ninguém queira brigar, você a encontra. Então não as procure, caso contrário as encontrará em todo lugar que vá. Por exemplo: De repente alguém ri, não de você, quem afinal é você? Por que você pensa que tudo é com você? Você apenas está apenas passando e, então alguém ri; logo você pensa que estão rindo de você. Porque de você? Se alguém ri, está rindo de você? Alguém xinga, está xingando você? Alguém está com raiva, está com raiva de você?

Toda essa paranóia está dentro de você. Você é que é brigão, violento, prepotente, presunçoso e arrogante. Você não pode criar a arrogância, se ela não estiver lá dentro. Você não pode botar para fora a prepotência se ela não estiver lá dentro. Quando se vira um copo o que está dentro cai. Quando alguém ri você pensa que é de você. Você é o problema não aquele que ri. Você é que está carregando a raiva, ele é a penas o pretexto, se não for ele será outro, qualquer outro. Ninguém lhe faz nada, você é que se faz. É a sua história interna, o conteúdo do seu copo, que sai para fora. É o transbordar do que você está cheio.

Uma semente cai no solo, germina, e uma árvore começa a crescer. O solo, o ar, a água o sol estão dando a oportunidade. Mas a árvore já estava escondida na semente. Você carrega a árvore inteira dentro de você e, os outros apenas lhe dão a oportunidade de germinar. Agora se sua árvore é um cactus todo retorcido, feio, cabeludo, cheio de espinhos venenosos, ou uma linda flor que a todos encanta e conquista, depende do que tem dentro de você.

Quando algo acontecer, não olhe para fora, não ache que a culpa é dos outros, olhe para dentro, porque seja lá o que esteja acontecendo, tem a ver com você, somente com você, ninguém tem nada com isso. Não se esqueça que a rudeza, a dureza, a grossura e a ignorância sempre perdem, tanto que os dentes caem e a língua fica.

“Na história da teimosia, entre a rudeza e a arrogância,

É tão forte a ignorância, tão cruenta, tão mordaz,

Que a própria sabedoria de tudo sabendo tanto,

Não pode saber de quanto o ignorante é capaz”

Lembre-se do ditado: “Quando o arqueiro erra o alvo, não procura o defeito na flecha, no arco, no vento ou no alvo, procura o defeito em si próprio”.

“Realmente vitorioso não é quem vence em batalhas milhares de homens, mas sim, quem a si mesmo vence.” Dhammapada - ves. 103 - Séc. lll a.C.