Os principais gêneros de literatura Budista usados na liturgia da escola Soto Zen no Japão são:
1. Sutras (kyo).
2. Dharanis (Darani).
3. Tratados (Ron).
4. Ekos (Eko Mon)
5. Versos (Ge, Mon).
As escrituras budistas são numerosas (os textos antigos falam em 84.000 ensinamentos), variadas em sua forma literária. Extremamente ricas e diversificadas em seu conteúdo filosófico, ético e espiritual, quando recitadas no contexto das práticas e rituais formais, possuem funções que podem ser claramente distinguidas.
1. Os Sutras são os textos reverenciados como sermões do Budha Shakyamuni (Budha histórico). Os Sutras utilizados mais utilizados são.
. Sutra do Coração da Grande Sabedoria Completa (Maka Hanya Haramita Shingyo).
. Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa (Myôhôrenguekyô Kanzeonbosatsu Fumonbongue).
. O Poema da Longevidade do Tathagata (Myôhôrenguekyô Nyorai Juryôhon Gue).
. Sutra da Rede de Bhrama (10 Preceitos Maiores e 48 Preceitos Menores do Bodisatava).
. Sutra Ullambana.
. O Sutra da Harmonia da Sangha . . Sutra da Grande Ordem.
Estão escritos e são recitados em chinês clássico. É utilizada uma transliteração japonesa, incompreensível para o leitor comum. Apesar de muitos dos ensinamentos e crenças neles expressos serem muito importantes para a tradição Zen, a principal razão para se recitar os Sutras em um contexto litúrgico não é promover seu significado, e sim produzir mérito espiritual (kudoku), subsequentemente oferecido e dedicado ritualmente para uma série de seres e propósitos. Em alguns ritos elaborados, o mérito é produzido através do ato de “revolver o Sutra” (tendoku), que consiste em girar as páginas de um longo Sutra sem realmente recitar nenhuma palavra. Atualmente traduções em nossa língua estão sendo produzidas para melhor entendimento.
2. As Dharanis (mantras) são fórmulas mágicas.
Conjuntos de sons considerados sagrados e poderosos, embora muitas vezes tenham pouco ou nenhum valor semântico discernível. A pronúncia correta dos sons é considerada necessária para que eles sejam efetivos.
Os caracteres chineses clássicos com que as Dharanis estão escritos foram selecionados por seu valor fonético (não seu significado), como um meio de transliterar (não traduzir) fórmulas mágicas originalmente escritas e/ou recitadas em linguagem indiana.
Os manuais litúrgicos japoneses sempre incluem um guia de pronúncia, escrito em caractere kana, que estão lado a lado com os caracteres chineses. As Dharanis utilizam um modo de expressão que é performático ao invés de comunicativo, por isso não são traduzidos.
Os principais Daranis recitados são:
. O Mantra da Grande Compaixão (Daihi Shin Dharani)
. O Mantra para a Prevenção de Desastres (Shô Sai Myô Kichi Jo Dharani).
Acredita-se que, através de sua recitação, ações podem ser magicamente realizadas, tais como apaziguar espíritos, prevenir desastres, evitar doenças, produzir harmonia etc. Entretanto, sua principal função na liturgia da escola Soto Zen, assim como os Sutras, é produzir mérito para dedicação ritual. Os Daranis não podem ser traduzidos.
3. Os Tratados são comentários sobre os Sutras ou apresentações independentes da doutrina Budista, atribuídos a Ancestrais e Patriarcas importantes.
Esses são os tratados utilizados regularmente na liturgia SotoZen.
. A Identidade do Absoluto e do Relativo (Sandôkai), de Shitou Xiqian (700-790).
. O Samadhi do Espelho Precioso (Hôkyôzanmai), de Dongshan Liangjie (807-869).
. O Mantra do Vitorioso (Butchô Sonshô Darani).
. O Mantra da Grande Compaixão (Daihi Shin Darani).
. O Portal do Doce Néctar (Kanromon).
. Mantra de Jizô Bodisatva (Jizo Konpon Darani).
. Mantra de Fudô-myô.
. Mantra de Daikoku-ten (Daikoku Sonten Darani) e
. Mantra de Idaten Sama.
Estes textos, originalmente escritos em chinês clássico, são recitados em sua tradução japonesa. Quando recitados no contexto de oferendas rituais para os professores ancestrais (soshi), eles servem ao propósito duplo de gerar mérito e honrar os autores, que pertencem e são representativos da linhagem da escola Soto Zen.
Dois outros tratados utilizados na liturgia Soto são:
. As Instruções Universalmente Recomendadas para Zazen, de Mestre Dogen (Fukanzazengui).
. O Significado da Prática e da Iluminação (Shushogui), uma compilação moderna de passagens escolhidas de uma coleção de 95 textos (Shobogenzo).
Apesar do primeiro capítulo ter sido escrito em chinês, ambos são recitados em japonês clássico. Sua função na liturgia Soto Zen é prestar respeito ao Mestre Dogen, o fundador da escola Soto Zen no Japão, e apresentar um sumário condensado de seus ensinamentos mais importantes. Atualmente traduções em nossa língua estão sendo produzidas para melhor entendimento.
4. Eko são versos ou dedicatórias para transferir os méritos alcançados, escritos em chinês clássico, são normalmente recitados em sua tradução japonesa.
. Versos das 10 Frases da Eterna Compaixão (Jukku Kannon Gyô).
. Versos sobre a Fé na Mente (Hsin Hsin Ming).
Esses versos sempre possuem duas partes. A primeira explica como o mérito foi gerado (nomeando os textos que foram recitados para este propósito), para quem ele será transferido e os propósitos específicos para os quais ele é dedicado. A segunda parte é uma oração solicitando uma benevolência em razão do mérito produzido. Atualmente traduções em nossa língua estão sendo produzidas para melhor entendimento.
5. Os Versos são poemas curtos, compostos em chinês clássico, que expressam os ideais e valores Budistas.
Alguns, como os Versos das Refeições Formais, os Versos do Banho e o Verso do ato de Lavar o Rosto, são utilizados no contexto do treinamento monástico Zen, para santificar e dar significado religioso a atividades que, de outra forma, seriam consideradas mundanas.
São sempre recitados quando e onde a atividade em questão é realizada, seja por um grupo (como no caso das refeições), seja por indivíduos (como ao entrar no banheiro).
Outros versos, como.
. Os Três Refúgios.
. Os Quatro Votos.
. O Verso do Arrependimento.
. O Verso de Homenagem às Relíquias de Buda.
São recitados como atos de fé e compromisso em si mesmos, normalmente cantados por grupos em conjunto com os Sutras e outros serviços religiosos, mas em essência sua recitação é um ato de devoção pessoal.
Os versos derivam quase todos da tradição budista indiana e chinesa em seu aspecto mais amplo. Nestes versos, a maioria das palavras é recitada na ordem clássica da versão chinesa, mas alguns deles (como o Verso das Cinco Contemplações, recitado nas refeições) são traduzidos e recitados em japonês. Atualmente traduções em nossa língua estão sendo produzidas para melhor entendimento.
Entre os contextos mais comuns em que os textos são recitados nos mosteiros e templos da escola Soto Zen estão os serviços diários, mensais e anuais de recitação de Sutras (fugin). Trata-se de ritos em que o mérito espiritual (kudoku) é primeiro gerado através da recitação de Sutras, Dharanis ou Tratados e então é ritualmente transferido (eko) para diversos destinatários, que são nomeados em um verso formal para transferir mérito. Os serviços de recitação de Sutras são utilizados para fazer oferendas de mérito para uma ampla série de seres.
. Budha Sakyamuni e seus discípulos mais próximos.
. Os Arhats (monges).
. A linhagem de mestres ancestrais através de quem o Zen foi transmitido.
. Os dois grandes fundadores da escola Soto Zen no Japão: Mestre Dogen e Mestre Keizan.
. O abade fundador ou outros antigos abades de mosteiros específicos.
. Várias deidades protetoras do Dharma ou de mosteiros, incluindo devas (indianos), espíritos (chineses) e kami japoneses.
. Os ancestrais de patronos leigos dos templos.
. Fantasmas famintos, habitantes dos infernos, e diversos outros seres que sofrem.
Alguns serviços de recitação de Sutras, em particular, são distinguidos pelas principais figuras para quem o mérito espiritual é transferido, mas é comum que um mesmo serviço inclua também oferendas para outras figuras menos importantes, ao mesmo tempo. Outros contextos rituais em que textos são recitados para produzir e dedicar mérito incluem. . Serviços memoriais mensais (gakki) para Dogen, Keizan e o abade fundador de cada mosteiro.
. Serviços memoriais anuais (nenki) para eles e outros ancestrais na linhagem Soto Zen bem como para os patronos leigos. . Funerais (sogi) para monges e praticantes leigos. . Várias outras recitações ocasionais (nenju) e orações (kito).
Toda a recitação de Sutras, assim como os funerais e serviços memoriais, são realizados frente a altares que contêm imagens ou tabletes (Ihai) com os nomes dos principais beneficiados pelas oferendas.
A recitação que produz mérito é geralmente realizada em uníssono por todos os monges (e às vezes pelos leigos) presentes em um serviço, enquanto o Eko, ou verso de transferência de mérito, é recitado por uma única pessoa, ou oficiante monástico conhecido como “cantor” (ino). A performance oral em que o mérito é gerado e transferido é muitas vezes acompanhada por oferendas físicas no altar, como queimar incenso ou oferecer comidas e bebidas.
Os serviços de orações e recitações são um tanto diferentes, no sentido em que o mérito produzido não é dedicado a indivíduos, mas sim em prol de benefícios específicos, como a recuperação de doenças, a harmonia na comunidade ou o sucesso de um retiro monástico. Como não há nenhum indivíduo nomeado nas oferendas, estes serviços não precisam ser realizados frente a um altar, mas podem ser efetuados em outros locais, como uma enfermaria ou uma sala de meditação.
Resumindo; as três funções rituais mais importantes da liturgia da escola Soto Zen são.
. Produzir e dedicar mérito.
. Honrar os professores ancestrais.
. Santificar as atividades de rotina nas vidas diárias dos praticantes Zen.
Entretanto, independente de como eles são utilizados em um contexto ritual, a maioria dos textos que são recitados nos serviços e práticas da escola Soto Zen também podem ser lidos apenas por seu significado, como obras de filosofia, ética e/ou como literatura religiosa de inspiração. Longe de serem exclusivas, as várias funções destas escrituras se suportam e se enriquecem umas às outras.
Adaptado de texto da Soto Zen Project.
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