Saudações:

Em homenagem e reverência profunda à minha Mestra de Ordenação e Treinamento, Venerável Shingetsu Coen Osho.
Que seu Corpo-Dharma, seja como um diamante inquebrantável.
Que tenha próspera longevidade e saúde ilimitada.
Que nenhum mal a atinja.
Que todos os seus esforços sejam recompensados.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

POR QUE PALAVRAS?


Um monge aproximou-se de seu mestre — que se encontrava em meditação no pátio do templo à luz da Lua — com uma grande dúvida:
"Mestre, aprendi que confiar nas palavras é ilusório; e diante das palavras, o verdadeiro sentido surge através do silêncio.

Mas vejo que os sutras e as recitações são feitas de palavras; que o ensinamento é transmitido pela voz.
Se o Dharma está além dos termos, porque os termos são usados para defini-lo?"
O velho sábio respondeu: "As palavras são como um dedo apontando para a Lua; cuida de saber olhar para a Lua, não se preocupe com o dedo que a aponta."
O monge replicou: "Mas eu não poderia olhar a Lua, sem precisar que algum dedo alheio a indique?"
"Poderia," confirmou o mestre, "e assim tu o farás, pois ninguém mais pode olhar a lua por ti.

As palavras são como bolhas de sabão: frágeis e inconsistentes, desaparecem quando em contato prolongado com o ar.
A Lua está e sempre esteve à vista.
O Dharma é eterno e completamente revelado.
As palavras não podem revelar o que já está revelado desde o Primeiro Princípio."
"Então," o monge perguntou, "por que os homens precisam que lhes seja revelado o que já é de seu conhecimento?"
"Porque," completou o sábio, "da mesma forma que ver a Lua todas as noites faz com que os homens se esqueçam dela pelo simples costume de aceitar sua existência como fato consumado, assim também os homens não confiam na verdade já revelada pelo simples fato dela se manifestar em todas as coisas, sem distinção. Desta forma, as palavras são um subterfúgio, um adorno para embelezar e atrair nossa atenção.

E como qualquer adorno, pode ser valorizado mais do que é necessário."
O mestre ficou em silêncio durante muito tempo. Então, de súbito, simplesmente apontou para a lua.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Mente de Principiante



"Há muitas possibilidades na mente do principiante, mas poucas na do perito."

As pessoas dizem que é difícil praticar Zen, mas há um mal-entendido quanto ao "porquê". Não é difícil porque seja árduo sentar-se de pernas cruzadas ou atingir a iluminação. É difícil porque é árduo manter a mente pura ou a prática pura em seu sentido fundamental. A escola Zen desenvolveu-se de muitas maneiras depois de estabelecida na China mas, ao mesmo tempo, tornou-se cada vez mais impura. Contudo, não é sobre o Zen chinês ou sobre a história do Zen que eu quero falar. O que me interessa é ajudar você a manter sua prática livre da impureza.

No Japão, dispomos do termo shoshin, que significa "mente de principiante". O objetivo da prática é conservar nossa "mente de principiante". Suponhamos que você recite o Prajna Paramita Sutra uma só vez. Poderia ser uma boa recitação. Mas o que lhe acontecerá se o recitar duas, três, quatro ou mais vezes? Você poderia facilmente perder sua atitude original em relação a ele. O mesmo acontecerá com suas outras práticas Zen. Por algum tempo você manterá sua mente de principiante, porém, se continuar a prática um, dois, três anos ou mais, embora você possa melhorar em alguns aspectos, é possível que perca o sentido ilimitado da "mente original".

Para os estudantes do Zen, o mais importante é não serem dualistas. Nossa “mente original" inclui em si todas as coisas. Ela é sempre rica e auto-suficiente. Você não deve perder esse estado mental auto-suficiente. Isto não significa uma mente fechada e sim, na verdade, uma mente vazia e alerta. Se sua mente está vazia, está pronta para qualquer coisa; ela está aberta a tudo. Há muitas possibilidades na mente do principiante, mas poucas na do perito.

Se você discrimina demais, você se limita. Se é exigente ou ambicioso em excesso, sua mente não é rica nem auto-suficiente. Se nossa mente perder sua auto-suficiência original, todos os preceitos se perderão. Quando sua mente se torna exigente, quando você anseia por algo, você acaba por violar os preceitos: não mentir não roubar; não matar, não ser imoral e assim por diante. Se você conservar sua mente original, os preceitos se manterão por si próprios.

Na mente do principiante não há pensamentos do tipo "eu alcancei algo". Todos os pensamentos egocentrados limitam a vastidão da mente. Quando não alimentamos pensamento nenhum de conquista, nem pensamentos egocentrados, somos verdadeiros principiantes e podemos então aprender alguma coisa de fato. A mente do principiante é mente de compaixão. Quando nossa mente é compassiva, torna-se ilimitada. O mestre Dogen, fundador da nossa escola, sempre enfatizou a importância de preservar nossa mente original ilimitada. Com ela somos verdadeiros conosco, estamos em comunhão com todos os seres e podemos, de fato, praticar.

Assim, a coisa mais importante é manter sua "mente de principiante". Não há necessidade de ter uma profunda compreensão do Zen. Mesmo que você leia muita literatura Zen, deve ler cada frase com uma mente virgem. Nunca deve dizer: "Eu sei o que é Zen' ou "eu atingi a iluminação". O real segredo das artes também é esse: ser sempre um principiante. Seja muito cuidadoso nesta questão. Se começar a praticar zazen, você começará a valorizar sua mente de principiante. Este é o segredo da prática do Zen.
Shunryu Suzuki

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

AFINAL O QUE É ESSE TAL DE ZEN BUDISMO - parte 1

OU AS 4 NOBRES VERDADE VISTA POR OUTRO ÂNGULO.

Já que estamos praticando regularmente nesse nosso pequeno e quase próspero dôjo, é necessário aumentarmos nosso conhecimento sobre a essência do Zen – carinhosamente chamado de “prática”, então vamos lá.
Afinal quais são os fundamentos desse tal de Zen Budismo...
Poderia entrar no mérito tradicional e contar a história de Makasho ou Mahakasyapa e a passagem da flor, que tenho certeza de que todos já conhecem, mas não vou falar disso hoje, vou me ater somente à essência.
Regularmente me perguntam o que é a prática chamada de Zen.
Confesso que sempre que vem essa pergunta (e, ela sempre vem) fico meio embaraçado, nunca consigo achar as palavras adequadas.
Como definir o Zen.
O Zen não é uma doutrina que possa ser explicada através das palavras.
Sempre que perguntado, em minhas toscas tentativas de definição do Zen, percebo que quando a última palavra da minha (sempre) ridícula explanação do que seria o Zen sai da minha boca, o verdadeiro Zen já desapareceu, rindo e debochando de mim.
Todo praticante sério sabe o que é o Zen, pois o vê em todos os lugares, mas não consegue falar sobre ele.
Como apontá-lo, se ele está em tudo e, aquilo que está em tudo não está em lugar nenhum.
Descrever o Zen é como tentar ensinar a um cego brasileiro de nascença a escrever na água em alemão arcaico.
Particularmente acredito que o Zen seja a síntese das religiões, a filosofia (??!!) que veio antes das religiões. Mas sou suspeito, então não vou entrar nesse mérito, pelo menos hoje não.
O Zen se encontra muito além dos sistemas e ideologias, além da religião, da filosofia, da teologia.
O Zen se dirige diretamente ao “coração” do homem, é a experiência viva e o impulso criador anterior a todo o formalismo conceitualizado.
O Zen está na raiz do conhecimento de si próprio, para além das diferenças dos sistemas, valores, nações ou raças.
Por isso é tão difícil falar dele.
A linguagem divide, a palavra separa e produz uma rachadura na realidade que é a matéria prima do zen.
Ho! Mas que tarefa difícil, como definir algo, sem falar sobre esse algo, sem escrever sobre ele, sem apontar seus efeitos, sem... sem... sem...
Mas como sou abusado e um pouquinho pretensioso (só um pouquinho ... está rindo porque....), vou falar tentar falar sobre ele, vamos ver se conseguimos captar sua fugidia essência.
O Zen influenciou muitos aspectos da vida japonesa. Sua influência pode ser visto nas fugidias pinturas dos mestres Ousai e Hiroshige, na caligrafia artística shodô escrita de um só fôlego, na fragilidade das árvores Bonsai, nos sintéticos, porém expressivos poemas Haikai, na singeleza da cerimônia do Chá, nos movimentos do Tai-Sabaki do Karate, nas quedas suaves do Aikido, na rapidez do Ai-do.
Mas muito mais que todas essas manifestações, podemos vê-lo facilmente na arte de viver.
O Zen é um caminho para o despertar que não faz nenhuma exigência ou monopólio. Ele nada exige, apenas se propõe a tornar os homens livres de suas ilusões sobre o mundo e sobre si próprios.
O Zen pretende através da visão correta, quebrar as algemas que prendem o homem ao sofrimento.
Somos parte de um nó que procuramos desesperadamente desatar, mas não conseguimos perceber que quanto mais lutamos enlouquecidos para soltar as cordas, mas elas nos apertam.
Essas cordas são os desejos, os apegos.
Nos apegamos a objetos, conceitos e posses que nos oprimem e impedem de ver o mundo como ele realmente é.
Esses desejos foram sedimentados através de anos e anos em todas as formas de estruturas sociais e instituições religiosas.
Esse apetite insaciável, essa fome voraz não pode ser satisfeita através de nenhuma forma externa. O vasto buraco do desejo, da sede de possuir não pode ser preenchido, exceto momentaneamente, pelos objetos deste desejo.
Tão logo uma aspiração ou objeto é conseguido, diminuímos sua importância e outro desejo toma o seu lugar. Tão logo se consiga aquele carrão de trocentos mil, começamos logo a cobiçar uma Ferrari e uma casa de frente para a praia de Geribá.
É justamente essa distancia entre desejo e satisfação que o Zen chama de sofrimento.
O despertar preconizado pelo Zen consiste em romper os laços desse desejo.
Não se trata de perguntar o que irá me dar prazer nesse momento?
Como vou me alegrar agora? O que irá me satisfazer hoje?
Mas sim por que eu não estou satisfeito? Por que não estou alegre?
Por que estou desanimado? Porque a depressão?
O Zen trata de compreender a irrealidade dos objetos cobiçados e examinar interiormente a própria sabedoria, ao invés de procurá-la fora.
O Zen não é uma prática especial, misteriosa, esotérica, afastada do mundo e da vida quotidiana.
O Zen é simplesmente o retorno à condição normal do corpo e da mente.
A condição normal, não é um estado especial. É reencontrar uma mente livre e feliz.
Muito bem! Qualquer palestrante menos folgado que eu encerraria a palestra por aqui.
Mas como já disse, sou abusado e, me permito passear pelas palavras e exemplos como se estivesse no quintal da minha casa.
Então vamos lá! Mina san...
O Zen não é um sistema de crenças, não versa sobre aceitar certas doutrinas, nem acreditar num conjunto de reivindicações ou princípios.
Ele fala sobre examinar clara e cuidadosamente o mundo e nossa relação com ele.
Disse o Budha: “Não acredite em mim porque você me vê como seu mestre. Não acredite em mim porque outros acreditam. Não acredite numa coisa pelo fato dela estar escrita em textos ou em antigos livros. Não deposite sua fé em relatos, na tradição, em boatos, nem na autoridade de infelizes líderes religiosos. Não confie nas aparências, nem na especulação”.
Meus queridos, o Budha sempre enfatizava repetidamente a impossibilidade de se chegar a verdade seguindo a opinião dos outros.
Ele sempre encorajou as pessoas “A saber por si mesmas que certas coisas estão certas e outras estão erradas”
O Zen não leva muito a sério o que está escrito.
No Zen, os escritos budistas, assim como os escritos de outras filosofias, são comparados a um bote.
Um bote é útil para transportar alguém de uma margem para a outra, uma vez que tenha chegado à margem que deseja o bote não é mais necessário.
O problema é que nos apaixonamos pelo bote.
Pensamos: “Esse é um bote de boa qualidade, é um botezinho maneiro, nem entra água, vou guardá-lo comigo e seguir viajem”.
Esse botes são os extravagantes rituais, os complicados textos e os empoeirados livros sagrados. Se os conservarmos conosco, eles acabarão nos mumificando e se tornando um grande obstáculo.
Nenhuma palavra, nenhuma oração, nenhuma reza, nenhum texto, seja de Budha ou de qualquer outro pode fazer você ver por si só, ele apenas pode indicar o caminho. Você deve “ver” pessoalmente, como fez o Budha e como o fizeram todos os outros mestres ao longo da história.
Muito bem!
Mas chega de conversa fiada.
Conversa fiada matou carambola, já dizia meu falecido pai.
O Zen é comumente chamado de religião não histórica.
Ele não conta uma história de criação, nem especula sobre se estamos indo em direção a um céu ou a uma vida após a morte de algum tipo.
O Zen não fala de origens nem de fins.
Também não pede a seus praticantes que aceitem uma crença, nem que tentem responder por alguma coisa presumida. Muito menos que aceitem explicações particulares de como as coisas são.
Dos dogmas dos mistérios da fé, então ... ele ri despudoradamente.
A certeira flecha do Zen mira diretamente o Eterno Problema da Situação Humana.
Só isso...
Só?... Mas isso é muita coisa...
A maioria de nós sente que está faltando alguma coisa em sua vida. O problema é que não sabemos o que nos falta.
Ansiamos por algo, sentimos as perdas (sempre perdemos alguma coisa), sofremos. Nem suspeitamos que tudo do qual precisamos está aqui mesmo.
Lidamos com nossos problemas de modo a eliminá-los, seja distorcendo-os ou negando-lhes a realidade. O problema é que ao fazer isso tornamos a realidade em algo que ela não é.

Não deixem de ler a parter 2.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

AFINAL QUAL E A ESSÊNCIA DESSE TAL DE ZEN BUDISMO...Parte 2

Parte 2
Ficamos o tempo todo tentando manipular o mundo para que os cães não ladrem, os acidentes não aconteçam, que faça sol aos sábados, que a pessoas da qual gostamos não nos mande passear, que todos nos achem populares, etc.
Vamos combinar que mesmo superficialmente, a inutilidade desses esforços deveria ser óbvia.
A vida humana é caracterizada pela insatisfação – Essa é 1ª Nobre Verdade.
A prática Zen baseia-se na realidade, não existe em sua prática nenhuma intenção de encobrir, atenuar ou reinterpretar os fatos - Essa é a 2ª Nobre Verdade – Essa insatisfação nasce conosco.
A 3ª Nobre Verdade é que podemos compreender a origem da nossa insatisfação.
A 4ª Nobre Verdade nos oferece um meio de ter a experiência dessa compreensão.
Como dizem no Japão yoko deshimashita...
Em geral, sempre que pensamos numa jornada, pensamos em uma viagem com uma direção definida, partindo de algum lugar com o objetivo de chegar a outro.
No Zen, essa jornada não nos leva a lugar algum, seja esse lugar dentro ou fora.
A jornada do Zen é para o que está próximo, para o que é imediato, para o aqui-e-agora.
O Zen acredita que para podermos estar realmente vivos devemos estar presentes.
Estar presentes!!!!!
Pois é, mas a pergunta que não quer calar é como fazemos isso...
Para ter a resposta para esta pergunta é necessário compreender 3 coisas:
Primeiro você deve entender que já é completo e perfeito, que não tem nada faltando, nem sobrando.
Em segundo lugar que a vida é passageira, que tudo é efêmero, impermanente, com exceção do motorista e do trocador - brincadeira.
Em terceiro lugar, tem que saber que você é seu próprio refúgio, o seu próprio santuário, a sua própria salvação.
Vamos a um exemplo:
Pegue uma flor. Uma rosa, por exemplo. Viva, fresca. Seu cheiro é maravilhoso, sua coloração impressionante. Difícil observar uma rosa e não achá-la linda.
O problema é que a rosa morre. Suas pétalas caem, murcham, desbotam e voltam para a terra como adubo.
Há! Há! Mas tem uma solução para esse impasse. Podemos substituir à rosa real por uma rosa de plástico, que nunca vai morrer.
Mas...
Eu disse mas... Será que queremos colocar em nossa mesa da sala de jantar uma rosa de plástico...Claro que não. Queremos a rosa real, aquela que morre.
Nós a queremos justamente porque causa disso, porque ela morre e, se morre é porque viveu.
É exatamente essa qualidade que a deixa preciosa.
Nós somos como essa rosa.

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Pequena pausa de efeito... aprendi isso com os pastores evangélicos na tv... Hahahahahaha. Rsrsrsrsrsrsrsrsrsrs.

Ok! Vamos examinar essa coisa da impermanência com mais atenção.
É fácil perceber que não temos o mesmo corpo, nem a mesma mente de quando éramos crianças. Se olharmos com acuidade, (Alfredo, gostou da acuidade...) perceberemos que nenhum de nós tem o mesmo corpo nem a mesma mente de quando se sentou em zazen, de quando eu comecei a cansar vossos valiosos ouvidos com minha enfadonha explicação.
Nesse tempo, muitas células morreram e muitas outras nasceram.
Mudanças químicas incontáveis ocorreram em órgãos diferentes.
Nossos pensamentos mudaram em relação às circunstâncias.
Sinapses cerebrais se desencadearam milhares e milhares de vezes...
Em cada segundo, em cada minuto passado, mudamos e continuamos mudando.
Como a rosa, nossa mente e nosso corpo são efêmeros.
Tudo na nossa experiência – corpo, mente, pensamentos, desejos, necessidades, relacionamentos – tudo é efêmero, mutável e sujeito a transformações.
Morremos e renascemos a cada momento.
O processo de nascimento, transformação e morte prossegue indefinidamente, segundo após segundo bem diante de nossos olhos.
Tudo para o que olhamos, incluindo nós mesmos e cada aspecto de nossa vida, é apenas mudança.
No entanto... Queremos impedir a mudança, queremos preservar as coisas, apegamo-nos a elas – queremos seguir viajem carregando o anacrônico bote (hoje eu estou demais).
Já estamos dentro da realidade, quer a vejamos ou não. ´
A realidade é o que está acontecendo aqui-e-agora.
Exatamente por estarmos dentro da realidade é que temos a possibilidade da iluminação.
Podemos despertar bem aqui, nesse momento, a iluminação nos pertence, já está conosco.
A maioria pensa justamente o contrário, acham que temos que imaginar alguma coisa.
Mas não.
Não precisamos imaginar a experiência, ela já está aqui, em primeira mão.
Já somos iluminados, tudo que precisamos fazer é encarar com seriedade o hábito de perceber o que está acontecendo agora.
Você é a autoridade, não o Budha, Cristo, Maomé, Sai Baba, Dalai Lama, etc. Nem o governo, nem nossos pais, nem nossa presidenta, filósofos, cientistas, padres, acadêmicos, políticos, nenhuma escola, legislatura, parlamento, corte ou democracia.
Ninguém é responsável por nossa vida, por nossas palavras ou ações.
A autoridade é apenas nossa.
Não podemos nos livrar nem escapar dessa autoridade.
Podemos desistir dessa autoridade, podemos ignorá-la ou tentar repassá-la a outra pessoa, a uma entidade qualquer, civil ou religiosa.
Mas na verdade, o que estamos fazendo é negar essa autoridade.
Tomamos a decisão de mentir para nós mesmos e fazer de conta de que não somos os senhores da situação.
Tudo bem! Como quiser...
O que não pode é ficar se lamentando, por ter deixado de lado uma capacidade maravilhosa, uma possibilidade de despertar que sempre esteve e estará em nossas mãos.
Tudo o que precisamos fazer é “ver” que de fato não existe nada “lá fora” - Essa “visão”, essa percepção é a 4ª Nobre Verdade.
Essa 4ª verdade possui 8 aspectos ou  meios pelos quais podemos ter a experiência da liberdade.
Mas, que 4º Caminho, que 4ª Nobre Verdade é essa...
O caminho é “ver”...
Quando se consegue “ver”, falamos, agimos e seguimos nossas vidas de modo consciente. A sensatez no falar, no agir e no modo de vida em geral se seguirá então, naturalmente.
O ensinamento ético do Dharma, muito bem descrito nos 8 caminhos de libertação, não é um código puritano babaca de comportamento em que afetamos a virtude, granjeamos simpatia ou prometemos ser bons para que possamos reivindicar uma recompensa em alguma data posterior.
O ensinamento se baseia na realidade, nossa recompensa está no aqui-e-agora, não numa Terra-Do-Nunca, não somos nenhum Peter Pan.
O Zen não nos convida a chapinhar em idéias abstratas.
Em vez disso, a tarefa que nos oferece é atentar para o que é verdadeiro, para o que está acontecendo nesse exato momento.
Não temos que olhar para uma direção específica, repetir alguma fórmula especial, adquirir alguma coisa, muito menos sair em peregrinação a algum lugar sagrado.
Você desperta bem aqui, se ilumina bem aqui.
A 1ª das Quatro Verdades dita pelo Budha, foi chamada por ele de Dukka.
Dukka se traduz frequentemente como sofrimento, mas é muito mais que isso – deriva de uma palavra em sânscrito que se refere a uma carroça com as rodas desalinhadas. Vocês imaginam como deve ser desconfortável para os cavalos, para o condutor e para a carroça, andar em estradas esburacadas com as rodas desalinhadas – é muito sofrimento.
Essa 1ª Nobre Verdade compara a vida humana a essa carroça em péssimas condições. A cada giro da roda, a cada buraco do caminho, se experimenta sofrimento, desconforto e infelicidade.
É claro que existem momentos de prazer, mas independente do quanto tentemos manter o bom humor, esse prazer sempre passa e o tormento volta.
Como resolver o problema...
Fácil!
Começamos a investigar de forma lógica e clara, qual é a dificuldade que nos impede de seguir o caminho com tranqüilidade e satisfação.
Todos conhecem a expressão: “ver para crer”. Mas crer não é, na verdade ver.
A crença é uma conjectura refinada, é uma informação sobre a realidade.
Ver é a experiência direta, não adulterada, é a percepção imediata da própria realidade.
Ex: Suponha que eu aparecesse e lhe estendesse a mão fechada e dissesse: Estou segurando um diamante. Eu só poderia estar fazendo duas coisas - mentindo ou dizendo a verdade.
Você não tem muito em que se basear. Enquanto minha mão estiver fechada você não tem como saber se eu estou ou não com um diamante dentro dela.
O máximo que você pode fazer é, considerando a situação, acreditar ou não.
Só quando abro a mão é que você pode saber se tem um diamante ou não.
Essa percepção – saber através da visão – não necessita de crença, a crença não é necessária, afinal você pode ver por si mesmo se há ou não uma jóia na minha mão e, pode basear suas ações posteriores no que vê em vez do que pensa ou no que crê.
O mesmo se dá com qualquer problema, questão ou dilema.
A crença pode ser um tapa-buraco na impossibilidade da experiência em si, mas, quando você “vê” a realidade, a crença se torna desnecessária.
A realidade ou verdade como quiser chamar, estão aqui para que todos vejam. Quinquilharias, bugingangas, chapéus engraçados, apertos de mão diferentes – nada disso – só a própria verdade, a própria experiência. Não como você pensa, imagina, espera ou deseja que ela seja, mas como ela realmente é.
Porém, enquanto continuarmos no nosso estado mental habitual, nossa mente será caracterizada pela frustração, pela insatisfação e pelo sofrimento, ou seja, pelo Dukka.
Existem 3 tipos de Dukka:
O primeiro é o sofrimento constante, físico e mental.
Quer gostemos ou não o sofrimento é parte integrante de nossas vidas. Sempre podemos diminuí-lo, evitá-lo ou anestesiá-lo e, às vezes somos bem sucedidos nisso. Mas nunca podemos fugir totalmente dele, mas dia, menos dia ele aparece de novo.
Mesmo que estejamos com saúde perfeita, quem nos garante a impossibilidade de uma dengue hemorrágica, uma bala perdida, um acidente de carro, alguns de nós tem filhos em escola ... Nossa! Que horrível.
Em muitos casos a tentativa de evitar o sofrimento só faz aumentá-lo, um exemplo é uma dor de dente, ou um defeito no carro.
A dor física sempre aparece quando alguma coisa não está funcionando corretamente no corpo.
O sofrimento mental surge sempre que percebemos que algo está errado em nossa vida, na dos outros e no mundo em geral.
Nunca poderemos ter tudo o que desejamos, estar com todas as pessoas que amamos, trabalhar apenas no que gostamos, não sermos obrigados a estar perto de quem não queremos e de não nos separarmos das coisas que temos apreço.
Para onde quer que olhemos a dor e o sofrimento estão lá...
A segunda forma de Dukka é a mudança. Como já disse antes, todos os aspectos da nossa experiência, físicos e mentais, estão em constante fluxo.
Tudo aquilo que pensamos, apontamos, olhamos, falamos (esqueci de algum...) está em fluxo constante.
Se estamos no estado mental não desperto, esse fluxo ininterrupto é sempre motivo de sofrimento, insatisfação ou melhor dizendo – Dukka.
Aumentamos os problemas tentando deter a mudança, tentando fixar as coisas em lugares e, o pior é que fazemos isso através da força, do controle e da manipulação.
Também tentamos arranjar tudo a nossa volta para que as coisas tenham sentido.
Mesmo que consigamos tornar a situação cômoda por um tempo, todas as circunstâncias que envolvem a situação inevitavelmente se modificarão e quando se alterarem nosso momentâneo prazer passará, só para revelar o Dukka novamente.
A saída não é por meio do controle nem da manipulação, mas por meio da visão.
Além do Dukka do sofrimento, do Dukka da mudança, ainda tem uma terceira forma de Dukka, mas difícil de perceber que as outras duas.
É o Dukka da separação – isto é, enquanto você se ver como um ente distinto, separado, também se verá como estando sujeito a morte.
Vasto é o mundo, existe algum objetivo para tudo o que existe nele, eventualmente nos perguntamos?
Perceba como cada um de nós é insignificante se comparado a essa imensidão, isso sem falar na grande pergunta: O que vai acontecer depois que eu morrer?
Dispomos de todo tipo de informes sobre o céu, o inferno, o purgatório, o limbo, o mundo paralelo, o esquecimento, o retorno dos justos e outros que não lembro agora.
A doutrina dos despertos não é sobre contar histórias à noite ao redor da fogueira, para assuntar crianças. É sobre investigar a experiência real.
A 2ª Nobre Verdade é o surgimento do Dukka.
Budha usou a palavra Trisha.
Ele surge da sede, do desejo, da vontade, da tentativa de ter o objeto cobiçado nas mãos. Esse anseio aparece de 3 formas:
Primeiro há o desejo sensual físico e mental. Queremos sensações de bem estar, estimulantes físicos e mentais, uma boa conversa, um bom filme, não os que o Dalton escolhe. Uma vida emocional equilibrada, arte e entretenimentos agradáveis, assim por diante.
Em segundo lugar temos a sede pela própria existência. Não queremos morrer. De alguma forma queremos continuar vivendo para sempre.
A terceira forma é a sede pela não existência. Queremos nos libertar de uma vez para sempre desse mundo de dor e sofrimento.
Dukka aparece em nossa mente como uma dessas 3 formas de desejo.
Todas as aflições da humanidade derivam dessas 3 formas.
Para encerrar vou contar uma historinha:
“Um praticante foi ver o mestre e disse: Não agüento mais, quero ir embora.
Esta certo, pode ir.
Enquanto o sujeito se dirigia para a porta, o mestre disse: Essa não é a porta de saída.
Oh! Me desculpe, o homem olhou ao redor e percebeu uma segunda porta, assim que começou a se dirigir para a porta, o mestre disse: Esta também não é a porta de saída.
Começando a se irritar o sujeito percebeu uma portinha pequena atrás do assento do mestre, ia se dirigindo para lá quando o mestre calma e pausadamente disse: Essa também não é a porta de saída...
O cara, agora visivelmente irritado, perguntou:
O que quer dizer?
Como vou sair se todas as portas não levam a saída?
O senhor disse que eu poderia ir embora, mas por que porta eu saio?
O mestre respondeu baixinho: Não existe nenhuma porta por onde você ou qualquer outra pessoa possa sair.
Só podemos estar aqui, nesse momento.
Essa é realidade.
Então sente-se e “veja” a realidade da vida com seus próprios olhos...
Isso é o que devemos fazer.

Gassho!

Que todos os méritos de nossa prática pura sejam transferidos a todos aqueles que sofrem. Que possamos verdadeiramente clarificar a verdade.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Verso recitado ao final do último zazen.

Permita-me respeitosamente lhe lembrar,
Vida e morte são de extrema importância.
O tempo rapidamente se esvai e a oportunidade se perde.
Cada um de nós deve esforçar-se para despertar
Cuidado, não desperdice sua vida.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Sutra do Coração - Parte 1

MAKA HANYA HARAMITA SHINGYO
Sutra do Coração da Sabedoria Completa.


Por Monge Getulio Taigen

 




Parte 1


Inicialmente, antes de entrar no mérito propriamente dito do Sutra do Coração da Sabedoria, creio ser necessário entendermos claramente os princípios subjacentes ao texto.


Para tal, necessário faz-se termos uma idéia de como era o pensamento filosófico da Índia àquela época, O que era a Escola Madhyamaka, bem como seu fundador, o célebre metafísico e filósofo Nagarjuna e como sua influência foi importante, após o que efetuarei considerações pessoais sobre o teor do Sutra.


 Na antiga Índia, os vários filósofos existentes acreditavam apenas na existência do mundo material. Segundo eles, os seres são compostos por cinco elementos (terra, água, fogo, ar e espaço) que se dissolvem na hora da morte, sem deixar qualquer continuidade de consciência.


Por isso, rejeitavam a teoria da causa e efeito (karma), não possuíam qualquer tipo de moral e se entregavam a todos os tipos de atos repudiados por qualquer sociedade civilizada. Possuíam uma das duas visões errôneas ou extremas.


O niilismo que nega a causalidade e a interdependência (ao se apegarem aos prazeres temporários, os niilistas não conseguem encontrar um estado de liberação duradoura).


A outra visão errônea é o eternalismo, sustentada pelos textos hindus chamados Upanishads. Os eternalistas superestimam a realidade e acreditam na existência intrínseca de um Atman ou "eu superior", que seria permanente, inalterável, imutável e eterno, idêntico à natureza pura de todas as coisas do universo, o Brahman ou o Absoluto.


Em algumas escolas hindus, o Atman é descrito de forma pessoal, enquanto em outras o consideram algo impessoal.


De forma semelhante, alguns filósofos hindus postulam o Brahman de forma teísta, enquanto outros o consideram um princípio abstrato, metafísico.


Neste contexto de história e pensamento da Índia que nasceu Nagarjuna. Dizem que seu aparecimento foi profetizado em vários textos antigos, tais como: Lankavatara Sutra, Manjushri Mulakalpa Sutra, Mahamegha Sutra e o Mahabheri Sutra.



“Alguém destinado a manter os caminhos, após o Nirvana do Sugata. Aparecerá depois de transcorrido algum tempo. Ele será dotado de grande sabedoria. Na região sulina, na terra das palmeiras. Há de surgir o monge Shriman, de grande renome. Ele será cognominado o Naga, e destruirá os extremos da existência e da não-existência”- Lankavatara Sutra.


A história da vida e morte de Nagarjuna é rodeada de lendas e mistérios. Consta que seu pai um dia teve um sonho, em que dava de comer a cem pessoas famintas e que depois disso, sua esposa ficava grávida. Supersticioso, assim procedeu e ela engravidou. Após o nascimento de um menino, um adivinho Brâmane profetizou ser ele possuidor de uma enfermidade que lhe daria apenas sete dias de vida, porém se seus pais dessem de comer a cem monges o menino teria sete anos de vida. Assim fez seu pai e o menino salvou-se.


Quando estava para completar oito anos ele foi enviado em uma longa viagem, pois seus pais não queriam vê-lo morrer. No decorrer da viagem quando o grupo passava em frente ao Monastério de Nalanda, um brâmane de nome Sahara ficou muito impressionado com aquele menino que recitava de cor vários Sutras.


Após conhecer a história do menino, ele que era um brâmane adivinho, profetizou que se o menino abandonasse a vida mundana e fizesse o voto monástico poderia evitar sua morte eminente. O menino foi então ordenado e iniciado na recitação dos sutras.


.Na véspera do seu de seu aniversário de sete anos passou a noite inteira recitando Sutras, superando dessa maneira, a morte como previra o Bramane. Aos oito anos iniciou o estudo regular tradicional, “pari passu” também passou a estudar os princípios filosóficos de cada uma das escolas budistas e filosóficas da época.


Tempo depois, após solicitação formal, recebeu a ordenação monástica do Abade do Monastério de Nalanda, recebendo o nome budista de Shrimata.


Não deixem de ler a parte 2

Sutra do Coração - parte 2

Sutra do Coração
Parte 2




O Monge Shrimata ao longo de seus exaustivos estudos passou a demonstrar ser um homem dotado de vários poderes mágicos, tanto que certa vez uma grande escassez de alimentos penalizou duramente a região de Magadha e, conseqüentemente, os monges do Monastério de Nalanda que viviam de esmolas e donativos.


Embora essa dificuldade durasse cerca de 12 anos o Monge Shrimata, segundo consta, valendo-se de seus poderes mágicos conseguiu, através da alquimia transformar ferro em ouro de modo a alimentar a todos.


Quando ele já era Abade do Monastério Universidade de Nalanda expulsou centenas monges e noviços que eram moralmente corruptos. Durante este mesmo período refutou através da lógica uma argumentação contra o budismo que havia sido escrito em doze mil versos por um filósofo de nome Shamkara.


Também em Jatasamghata, suplantou quinhentos intelectuais não budistas em um debate aberto, convertendo-os ao Dharma de Budha ao rebelar suas erradas visões filosóficas.


Nagarjuna fundou a Escola Madhyamaka ou Madhyamika com o objetivo de sistematizar os ensinamentos dos Sutras do Prajnaparamita.


O axioma central do ensinamento da Escola Madhyamaka proclama que todas as coisas são vazias de substância inerente (sunya - kara).


A Escola Madhyamaka não aceitava nem apresentava como o faziam as outras escolas, qualquer princípio ou teoria em qualquer dos quatro modos, conhecidos como as quatro alternativas da existência 1a (é), 2 a (não é), 3a tanto (é) quanto (não é), pois partia do princípio de que tomar uma posição ou apresentar uma teoria que caia sobre algum dos três modos é comprometer-se e apegar-se a algum princípio ou teoria.


A escola simplesmente rejeitava e demolia todas as teorias filosóficas existentes. Sendo que as principais eram aquelas que mantinham uma ou outra das visões extremas do eternalismo (filosofia que aceita a existência de uma entidade universal que gera os fenômenos) ou do niilismo (filosofia que nega a existência de qualquer coisa subjacente).


Nagarjuna argumentava que nada existia independentemente de condições externas.


Ele não considerava este ensinamento como niilista nem eternalista. Pelo contrário, situava-o no meio, uma vez que reconhecia a existência convencional de objetos que surgem no fluxo contínuo de “origem dependente de condições”.


Defendia que nada possui “uma existência inerente”, o mundo no qual vivemos é produto de condições passageiras – causa e condições.


Nagarjuna não concordava com a idéia de existência inerente, mas com a de existência convencional. Acreditava que a base da nossa concepção convencional de mundo é que é real.


Se o mundo convencional fosse real, então também a percepção das coisas e dos seres como existentes em si e por si seria real, então a ignorância e a sabedoria não seriam distintas, mas idênticas.


Nagarjuna demonstra que quando procurados todos os objetos do mundo convencional simplesmente se dissolvem ao serem reduzidos às suas partes constituintes e, essas mesmas partes constituintes também são dependentes entre si, não possuindo nenhuma existência permanente.


Ao nível de ausência de uma existência última, a vida corrente não existe, logo carece de essência. Ela existe convencionalmente e, é neste plano convencional que os ensinamentos do budismo são extremamente relevantes e eficazes.


De fato, a iluminação só é possível por que os fenômenos não possuem uma existência individual e permanente, caso contrário seria um mundo frio e imutável.


Desde que algo é considerado como tendo uma essência permanente e imutável, qualquer mudança radical se torna impossível e impraticável.


Conforme os ensinamentos, o Sutra Prajnaparamita foi ensinado inicialmente no Pico dos Abutres por Sakhyamuni Budha, no que ficou sendo conhecido como o “Segundo Giro na Roda do Dharma”.


Consta que após dar os ensinamentos relacionados às “Quatro Nobres Verdades” o Budha ensinou o significado último do Dharma que é a vacuidade da existência inerente de todos os fenômenos, conforme se encontra de forma clara e concisa no Sutra do Coração.


Alguns séculos depois da morte de Budha, muitos textos com seus discursos (Sutras), acabaram sendo reeditados, fazendo surgir diferentes versões de um mesmo texto. Inicialmente, os ensinamentos de Budha eram memorizados pelos recitadores e posteriormente foram transcritos.


Os textos de grupos diferentes e distantes são muito semelhantes. Além disso, surgiram muitos Sutras novos, atribuídos a Budhas transcendentes (Dhyani-Buddha), seres da iluminação (Bodisatvas) ou ao próprio Budha Shakyamuni.


Por volta dos séculos I e II, esses novos Sutras deram impulso ao movimento que passaria a se autodenominar o Grande Veículo ou Mahayana. Segundo as escrituras tibetanas, esse movimento se propunha levar muitas pessoas para a outra margem (da iluminação), esses Sutras conteriam os ensinamentos mais profundos de Budha e teriam sido preservados no reino dos Nagas - espécie de dragões aquáticos com corpo de serpente e cabeça humana até que os verdadeiros discípulos se tornassem aptos a recebê-los.


No nome Nagarjuna o início do nome “Naga” é em referência a esses Nagas, que conforme relata a história, foi Nagarjuna (que ainda se chamava Shirimata) que foi ao Reino dos Nagas e recebeu das mãos do Rei os manuscritos contendo a coleção dos Sutras da Prajnaparamita, depois de ter pregado o Dharma para todos os habitantes daquele reino, daí o nome Naga.


Quanto ao restante do nome (Arjuna) foi em homenagem ao grande arqueiro do épico Mahabarata, personagem central da filosofia Védica. Esse arqueiro que se chamava Arjuna era o mais rápido, penetrante e certeiro dos arqueiros, por isso Nagarjuna recebeu seu nome pela sua rapidez e destreza na propagação do Dharma de Budha.


Em termos históricos, os Sutras Ratnaguna Samcharya Gatha e o Ashtahasrika Prajnaparamita Sutra (Discurso da Perfeição da Sabedoria em 8.000 Linhas) apareceram entre os séculos I a.C. e I d.C. Entre os séculos I e III, surgiram os Sutras mais longos e elaborados, como os de 18.000, 25.000 e 100.000 linhas.


Foi nesta época que surgiu o Vajracchedika Prajnaparamita Sutra (Sutra do Diamante). Entre os séculos III e V, surgiram textos mais concisos, entre eles o Sutra do Coração ou Prajnaparamita Hridaya Sutra.


Entre os séculos V e X, surgiram outros Sutras com influência Tântricas.


Segundo a classificação tradicional, existem três “textos mãe” (os discursos em 100.000, 25.000 e 8.000 linhas) e os “textos filho” (são ao todo dezessete Sutras incluindo os Sutras do Coração e do Diamante).


No enunciado do Prajna Paramita Hridaya Sutra (sânscrito) a palavra Hridaya significa coração, essência, de modo que normalmente se conhece esse Sutra pelo nome de Sutra da Essência (ou do Coração) da Perfeição do Conhecimento, em alguns textos também é traduzido como Sutra do Coração da Sabedoria além da Sabedoria ou Sutra do Coração da Grande Sabedoria Completa.


Este Sutra tem uma particularidade interessante que o diferencia dos demais, não é o Budha quem faz a preleção, ele somente pronuncia uma frase no fim do discurso, ele apenas diz "Bem dito, bem dito", e sorri.


Com essa inteligente atitude o Budha criou uma situação em que deixa perfeitamente claro que a compreensão do Sutra pode ocorrer com qualquer pessoa, através da lógica e insight obtido pela meditação.


A recitação do Sutra em questão faz referência a Kanzeon, o Bodisatva que representa a manifestação da compaixão e a Shariputra que representa a sabedoria.


O Sutra afirma que Kanzeon foi compelido a despertar para a vacuidade de todas as coisas pela força avassaladora da sabedoria.


Em seguida, Kanzeon falou com Shariputra, que representa a pessoa de espírito científico ou de conhecimento preciso.


Os ensinamentos de Buddha neste Sutra foram colocados sob o microscópio da inteligência e saber acadêmico de Shariputra, demonstrando que os ensinamentos não foram aceitos com uma fé cega, despropositada e fanática, mas sim, foram examinados, praticados, compreendidos, experienciados e postos à prova.


Não deixem de ler a parte 3

Sutra do Coração - parte 3

Sutra do Coração.
Parte 3



Este Sutra é muito importante em razão de toda a disciplina moral e intelectual budista ter como meta capacitar ao homem chegar a ter posse desse conhecimento, auge maior do conhecimento humano e garantia da definitiva liberação da cadeia de renascimentos e da obtenção do Nirvana.


O Sutra do Coração da Sabedoria é um dos menores dentre os Sutras da Prajnaparamita. Trata-se de uma resumida exposição da doutrina central de toda a coleção, uma espécie de compacto dos melhores momentos.


O Sutra é recitado sistemática e diariamente em todos os locais de prática Budista da Escola Mahayana. Tanto o texto do Sutra em Chinês, e em Sãncrito já foram traduzidos em quase todas as línguas civilizadas do mundo.




Este é o Sutra em português (tradução da Monja Coen).



Quando Kanzeon Bodisatva praticava em profunda Sabedoria Completa, claramente observou (sino) o vazio dos cinco agregados. Assim se libertando de todas as tristezas e sofrimentos.


Oh! Sarishi!


Forma não é mais que vazio. Vazio não é mais que forma. Forma é exatamente vazio. Vazio é exatamente forma.


Sensação, conceituação, diferenciação, conhecimento. Assim também o são.


Oh! Sarishi!


Todos os fenômenos são vazio-forma. Não nascidos, não mortos, não puros, não impuros, não perdidos, não encontrados. Assim é tudo dentro do vazio.


Sem forma, sem sensação, conceituação, diferenciação, conhecimento;


Sem olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo, mente. Sem cor, som, cheiro, sabor, tato, fenômeno. Sem mundo de visão, sem mundo de consciência. Sem ignorância e sem fim à ignorância. Sem velhice e morte e sem fim à velhice e morte. Sem sofrimento, sem causa, sem extinção e sem caminho. Sem sabedoria e sem ganho. Sem nenhum ganho.


Bodisatva devido à Sabedoria Completa.


Coração-Mente sem obstáculos. Sem obstáculos, logo, sem medo. Distante de todas as delusões,


Isto é Nirvana.


Todos os Budas dos Três Mundos, devido à Sabedoria Completa


Obtêm Anokutara San Myaku San Bodai. Saiba que Sabedoria Completa, é expressão de grande divindade. Expressão de grande claridade. Expressão insuperável. Expressão inigualável, com capacidade de remover todo o sofrimento.


Isto é verdade não é mentira!


Assim, invoque e expresse a Sabedoria Completa,


Invoque e repita:


Gya te gya-te (vá além, tendo ido)


Há ra gya-tei (vá além, tendo ido)


Hara so gya-te (vá além do além, tendo ido além do além)


Bo-dhi-sowa-ka (para a outra margem, da iluminação)


Sutra do Coração da Grande Sabedoria Completa.





Comentários pessoais:


Neste momento, gostaria de deixar claro que este é meu entendimento pessoal.
Esses comentários, observações e entendimentos não representam obrigatoriamente o pensamento da tradição Soto Zen Shu.



“Quando Kanzeon Bodisatva praticava em profunda sabedoria completa”


O prólogo do Sutra completo da Prajnaparamita inicia com Shariputra perguntando ao Budha como fazer para praticar a Perfeição da Sabedoria e o Budha, por sua vez, solicita a Avalokitesvara para explicar detalhadamente a Shariputra.


“Assim ouvi. Certa vez, o Abençoado, juntamente com vários dos maiores Bodisatvas e um grande número de monges, se encontrava em Rajagaha, na montanha dos abutres monte. O Abençoado estava em profunda meditação e o nobre Kanzeon meditava sobre o profundo Prajaparamita e, sendo perguntado, responde...”


No início do Sutra um observador atento poderá perceber que quando (Kwan Yin – em chinês, Quan Am em coreano e Kannon ou Kanzeon em japonês) um bodisatva que representa a manifestação do amor infinito e da insuperável compaixão de Budha se encontra praticando Prajnaparamita, ele não somente se encontra sentado em meditação, ele na verdade é a personificação da meditação, ele e a meditação são um, não há diferença entre ele o estado meditativo, não há diferença entre ele e o mundo, ele está inserido na paisagem.



“claramente observou o vazio dos cinco agregados assim se libertando de todas as tristezas e sofrimentos”


Os cinco agregados ou Skandas são:


1o A matéria: Designam sob esse termo os quatro elementos tradicionais que simbolizam a terra, a água, o fogo e o ar, com seus respectivos estados: sólido, fluido, calórico e de movimento. Os derivados desses quatro elementos correspondem, em nosso ser, aos nossos órgãos dos sentidos, com suas respectivas faculdades: visual, auditiva, olfativa, gustativa, tátil e mental, sendo que os objetos do mundo exterior correspondentes são as formas visíveis, os sons, os odores, as coisas tateáveis e os pensamentos, idéias e concepções. 


2o As sensações: São todas as sensações agradáveis, desagradáveis ou neutras que sentimos mediante o contato dos nossos órgãos físico e mental em relação ao mundo exterior. Na verdade as sensações não são nem boas nem más, a atitude mental de cada pessoa, condicionada pela família, sociedade, escola, costumes etc. é que assim as condiciona. 


3o As percepções: São as impressões causadas pelos órgãos dos sentidos reconhecendo os objetos físicos e mentais, tanto nas suas características físicas, como pelas impressões mentais. Esta percepção, que é o conjunto das características de forma, odor, sabor, volume e peso é que nos permite reconhecemos os objetos do mundo. 


4o As formações mentais: Proporcionam as condições necessárias através da qual, o conhecimento ou consciência possam “enxergar” a existência. Os elementos básicos são: à vontade (voluntária ou involuntária), a atenção e o contato. A vontade com a presença da atenção, coloca o corpo e o objeto numa determinada direção para que possa haver o contato, i.e. se existe algo para ser visto, luz suficiente, olhos para ver, estabelece-se o contato visual produzindo uma formação visual, o mesmo se dá com os outros órgãos dos sentidos.


5o A consciência: Ou conhecimento é uma reação ou resposta às seis faculdades (visual, auditiva, olfativa, gustativa, tátil e mental) que tem por objeto os fenômenos exteriores correspondentes (formas visíveis, sons, odores, etc.). Sempre que se estabelece um contato com o corpo e o mundo exterior, vem a existência os elementos imateriais, i.e. a sensação, a percepção, as formações mentais e a consciência correspondente.


O Buddha na sua incomparável sapiência comparou o universo a uma vasta rede composta por uma infinita variedade de jóias brilhantes, cada uma delas com um número incontável de facetas, sendo que cada jóia reflete em si mesma o brilho de todas as outras (rede de Indra). Tomemos um exemplo prático que nos ajudará na compreensão da frase do texto.


Vamos imaginar uma onda no mar. Essa onda vista de uma certa maneira, parece ter uma identidade distinta, um começo e um fim, um nascimento e uma morte. Vista de outro modo (prajna - sabedoria), essa onda não existe. É apenas o comportamento da água.


A onda é "vazia" de uma identidade separada, mas "cheia" de água. Assim, quando pensamos a respeito de uma onda, através da lógica percebemos que se trata de algo que se tornou temporariamente possível por fatos e circunstâncias permanentemente mutáveis. Também é fácil perceber que cada onda está relacionada com todas as outras ondas. Observando com a mente desprovida de prévios conceitos, podemos notar que a onda não possui qualquer existência própria, e essa ausência de existência independente é o que o Sutra chama de "vacuidade" (sunyata – Ku).


Se alguém segurar um copo cheio de água até a borda e perguntar, "Este copo está vazio?", todos dirão "Não, ele está cheio de água". Se esse alguém jogar fora toda a água e perguntar novamente, todos responderão "Sim, ele está vazio". Mas, vazio de quê ?...


Essa é a principal questão enfocada no Sutra. Vazio significa “vazio de alguma coisa”. O copo não pode estar “vazio de nada”. "Vazio" não tem significado a não ser que você saiba do que ele está vazio. Meu copo está vazio de água, mas não está vazio de ar. Estar vazio é estar "vazio de alguma coisa". Quando Kanzeon declara que os cinco agregados são vazios, ele o faz para nos ajudar a compreender o texto.


Quando Kanzeon olhou profundamente, sem conceitos, nem pré-conceitos, dentro da natureza dos agregados, de repente, percebeu que todos eles eram vazios. E, antes que alguém perguntasse "Vazios de quê? ele responde. "Eles são vazios de um self separado, de uma existência inerente de um ego. Isto quer dizer que nenhum dos cinco agregados pode existir sozinho, por si mesmo. Cada um dos agregados tem de ser produzido pelos outros quatro. Eles têm de co-existir, eles têm que se interrelacionar.


Quando Kanzeon, (o Bodisatva que escuta os sons do mundo, seus lamentos, suas dores, seus sofrimentos e suas preces) tudo observou, de forma clara, sem conceitos, sem dualidade. Quando ele se identificou com o mundo, quando se situou além do pensar e do não pensar, quando se integrou ao todo, percebeu que esses agregados ou Skandas são totalmente vazios de substância inerente, de personalidade, de individualidade. De posse de todo esse conhecimento se libertou de todos os sofrimentos, pois conseguiu ver as coisas como elas são, e ver as coisas como elas são é acabar com o sofrimento.


Não que não exista o sofrimento, simplesmente não existe mais o sofredor, Não existe mais a diferenciação de bom, ruim ou indiferente. Todas as coisas são como são e, completamente perfeitas da maneira que são.


Não deixem de ler a parte 4.

Sutra do Coração - parte 4

Sutra do Coração.
Parte 4




Quando Kanzeon diz que não existe sofrimento, ele quer dizer que o sofrimento é composto inteiramente por coisas que não são sofrimento. Se você está sofrendo ou não, isso depende de muitas coisas. O frio pode doer quando não estamos aquecidos, mas com roupas adequadas e em frente a uma lareira comendo “fondue”, o frio pode ser muito gostoso. O calor dependendo das condições pode ser um tormento e até perigoso, mas na praia se divertindo com os amigos e família é uma maravilha. O sofrimento não é algo objetivo. Ele depende da forma como percebemos as coisas. Existem coisas que causam sofrimento a uma pessoa, mas não a outras, assim como existem coisas que causam alegria a alguns e não a outros.

Segue o sutra:

“Óh! Sariputra! forma não é mais que vazio. Vazio não é mais que forma. Forma é exatamente vazio. Vazio é exatamente forma. Sensação, conceituação, diferenciação, conhecimento assim também o são.”

Sariputra, era um dos discípulos mais brilhantes de Budha, seu nome derivava de “Shari” que designa uma espécie de pássaro com olhos muito brilhantes e penetrantes e “Putra” que quer dizer “filho de”. A mãe de Shariputra também possuía os mesmos olhos brilhantes e penetrantes. Ele então foi chamado de Shariputra ou o filho da mulher que tinha olhos penetrantes e brilhantes iguais ao do pássaro “shari”.

O texto do Sutra acontece através de um dialogo entre Avalokitesvara e Shariputra sentados em frente ao Budha. Quanto à frase do texto em epígrafe, nota-se que primeiramente foi dado ênfase a forma, pois ela caracteriza o principal motivo do sofrimento humano que é a errônea idéia de um ego, de uma personalidade imutável e eterna. Porém em razão das “coisas” não serem reais, de terem uma realidade apenas temporária ou convencional é que elas podem surgir por originação dependente, ou seja, o vazio é que da a possibilidade do surgimento de uma miríade de coisas. Desse modo, somente pelo fato de “não existir” esse texto (de forma absoluta e sim de forma convencional, ou seja, ele não é, ele está sendo) é que é possível “existir” o texto ou como diz a frase do Sutra. O vazio é forma e a forma é vazio.

Segundo os físicos, o vácuo contém muitos materiais capazes de produzir efeitos. Na teoria geral da relatividade, cada ponto do espaço tem certas propriedades, que variam de um ponto a outro quando existe um campo gravitacional. A velocidade da luz, por exemplo, pode ter valores distintos em diversas regiões do espaço vazio, como se o vácuo tivesse um índice de refração variável.

Mas como dois “vazios” poderiam ser diferentes? É claro que um lugar onde há um campo gravitacional não é uma região absolutamente vazia e sim um espaço cheio de “alguma coisa” que produz efeitos físicos. O vácuo da teoria quântica também não é um espaço vazio. De acordo com essa teoria, em qualquer região do espaço aparentemente vazia, estão continuamente surgindo e desaparecendo "partículas virtuais", que podem ser elétrons, fótons e mésons. Essas partículas surgem, existem durante um tempo muito curto (princípio de Heisenberg) e depois desaparecem. O turbilhão de fótons virtuais que preenche todo o espaço constitui a "flutuação do ponto zero" (ZPF), que é estudada pela eletrodinâmica quântica. Quando duas placas metálicas, sem carga elétrica, são colocadas muito próximas uma da outra, ocorre uma redução da densidade desses fótons entre elas, e os fótons externos as empurram uma em direção à outra, com força inversamente proporcional à quarta potência da distância, demonstrando que, na física atual, o espaço "vazio" está “cheio” de “entes” físicos.

Quando afirmamos que este texto, é vazio, queremos dizer que ele é vazio de uma existência separada, independente, que o texto não pode simplesmente existir por si mesmo. Ela precisa coexistir com a tinta, com o computador, com o oxigênio existente no ar, com o calor e luz do sol, com aquele que vê, com aquele que escreveu e com tudo o mais. O texto é vazio de uma individualidade separada. Mas, justamente por ser vazio tem a possibilidade de ser repleto de todas as coisas.

Quando kanzeon olhou profundamente no interior dos cinco agregados percebeu que nenhum deles pode existir sozinho, por si mesmo. Cada um só pode existir em interdependência com todos os outros.

Assim, ele nos diz que a forma é vazia. A forma é vazia de uma entidade separada de um ego, mas é cheia, completa de todas as coisas existentes no universo. Por analogia, o mesmo é verdadeiro para os sentimentos, percepções, formações mentais e consciência, que são os outros agregados.

A concepção do texto do Sutra utiliza-se do princípio da negação para demonstrar a verdade para Shariputra. Alguns estudiosos afirmam que a tradição escolástica da teologia negativa do cristianismo apresenta as mesmas características análogas à tradição budista, bem , mas isso é tema para outro estudo...


“Óh ! Sariputra! todos os fenômenos são vazio-forma, não nascidos, não mortos, não puros, não impuros, não perdidos, não encontrados, assim é tudo dentro do vazio.”

Os fenômenos só podem surgir em dependência de causas e condições, a isso o budismo da o nome de causa e efeito (Karma). Só podem surgir na dependência de suas partes, sem "partes" não há "um todo", e sem “um todo" não há nenhum sentido no conceito de "partes".

Os fenômenos são mutuamente exclusivos; eles são simplesmente designados por rótulos e conceitos em razão da dependência de suas bases, mas os fenômenos em si não são encontrados quando procurados nestas bases.

Podemos citar o exemplo contido no livro “As perguntas do Rei Milinda Panha” (coleção de diálogos entre o Monge Nagasena e o Rei grego Menander, que reinou no Noroeste da Índia de 125 a 95 a.C.). - O que é a carruagem através da qual o Rei conseguiu chegar até este lugar? Pergunta o Monge Nagasena (quando perguntado pelo Rei sobre o não-eu).

É possível apontar os cavalos, os arreios, os bancos, as rodas, o banco, as partes metálicas etc. mas, não a carruagem em si. É possível analisar cada uma destas partes em separado até se chegar ao espaço ocupado pelas partículas da matéria, mas sem encontrar qualquer coisa que, sozinha, possa ser chamada de carruagem. Até mesmo as partículas da carruagem dependem de uma série de fatores interdependentes.

Afirmar que essa carruagem "existe por si mesma” seria incorreto, mas afirmar que ela "não-existe" também seria um erro. Dizer que a carruagem "existe e não-existe" seria ilógico ou como preferem os advogados o estabelecimento do contraditório. Estas posições errôneas são conhecidas como as três argumentações que não conduzem à sabedoria, ou seja:

1o Afirmar que os fenômenos existem,

2o Afirmar que os fenômenos não-existem,

3o Afirmar ambas as coisas (os fenômenos existem e não-existem).

Essas afirmações não estão corretas porque caem nos extremos do eternalismo e do niilismo. Portanto, a carruagem só pode existir em dependência de causas e condições. A carruagem só pode existir na dependência de suas partes, como o cavalo, o banco, o arreio, as rodas, as partes metálicas e assim por diante.

A carruagem, quando observada com sabedoria (prajna), é apenas um nome, um conceito, e quando procurada em suas bases, ou seja, o cavalo, os bancos, o arreio etc, não pode ser encontrada, pois seus elementos (suas partes constituintes), separadamente, não são a carruagem, são apenas o banco, o arreio etc.

Aqui, a verdade no nível relativo é a de que "a carruagem existe", convencionalmente. Existe apenas em dependência das causas, condições e das partes constituintes. A verdade no nível absoluto é a impossibilidade de se fazer qualquer afirmação ou negação definitiva a respeito da carruagem, pois ela não existe por si mesma, é destituída de existência inerente de um ego, não é nada mais que vacuidade (shunyata) surgindo como um fenômeno através do conjunto harmônico de suas partes.

Não deixem de ler a parte 5.