Saudações:

Em homenagem e reverência profunda à minha Mestra de Ordenação e Treinamento, Venerável Shingetsu Coen Osho.
Que seu Corpo-Dharma, seja como um diamante inquebrantável.
Que tenha próspera longevidade e saúde ilimitada.
Que nenhum mal a atinja.
Que todos os seus esforços sejam recompensados.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Sutra do Coração - parte 4

Sutra do Coração.
Parte 4




Quando Kanzeon diz que não existe sofrimento, ele quer dizer que o sofrimento é composto inteiramente por coisas que não são sofrimento. Se você está sofrendo ou não, isso depende de muitas coisas. O frio pode doer quando não estamos aquecidos, mas com roupas adequadas e em frente a uma lareira comendo “fondue”, o frio pode ser muito gostoso. O calor dependendo das condições pode ser um tormento e até perigoso, mas na praia se divertindo com os amigos e família é uma maravilha. O sofrimento não é algo objetivo. Ele depende da forma como percebemos as coisas. Existem coisas que causam sofrimento a uma pessoa, mas não a outras, assim como existem coisas que causam alegria a alguns e não a outros.

Segue o sutra:

“Óh! Sariputra! forma não é mais que vazio. Vazio não é mais que forma. Forma é exatamente vazio. Vazio é exatamente forma. Sensação, conceituação, diferenciação, conhecimento assim também o são.”

Sariputra, era um dos discípulos mais brilhantes de Budha, seu nome derivava de “Shari” que designa uma espécie de pássaro com olhos muito brilhantes e penetrantes e “Putra” que quer dizer “filho de”. A mãe de Shariputra também possuía os mesmos olhos brilhantes e penetrantes. Ele então foi chamado de Shariputra ou o filho da mulher que tinha olhos penetrantes e brilhantes iguais ao do pássaro “shari”.

O texto do Sutra acontece através de um dialogo entre Avalokitesvara e Shariputra sentados em frente ao Budha. Quanto à frase do texto em epígrafe, nota-se que primeiramente foi dado ênfase a forma, pois ela caracteriza o principal motivo do sofrimento humano que é a errônea idéia de um ego, de uma personalidade imutável e eterna. Porém em razão das “coisas” não serem reais, de terem uma realidade apenas temporária ou convencional é que elas podem surgir por originação dependente, ou seja, o vazio é que da a possibilidade do surgimento de uma miríade de coisas. Desse modo, somente pelo fato de “não existir” esse texto (de forma absoluta e sim de forma convencional, ou seja, ele não é, ele está sendo) é que é possível “existir” o texto ou como diz a frase do Sutra. O vazio é forma e a forma é vazio.

Segundo os físicos, o vácuo contém muitos materiais capazes de produzir efeitos. Na teoria geral da relatividade, cada ponto do espaço tem certas propriedades, que variam de um ponto a outro quando existe um campo gravitacional. A velocidade da luz, por exemplo, pode ter valores distintos em diversas regiões do espaço vazio, como se o vácuo tivesse um índice de refração variável.

Mas como dois “vazios” poderiam ser diferentes? É claro que um lugar onde há um campo gravitacional não é uma região absolutamente vazia e sim um espaço cheio de “alguma coisa” que produz efeitos físicos. O vácuo da teoria quântica também não é um espaço vazio. De acordo com essa teoria, em qualquer região do espaço aparentemente vazia, estão continuamente surgindo e desaparecendo "partículas virtuais", que podem ser elétrons, fótons e mésons. Essas partículas surgem, existem durante um tempo muito curto (princípio de Heisenberg) e depois desaparecem. O turbilhão de fótons virtuais que preenche todo o espaço constitui a "flutuação do ponto zero" (ZPF), que é estudada pela eletrodinâmica quântica. Quando duas placas metálicas, sem carga elétrica, são colocadas muito próximas uma da outra, ocorre uma redução da densidade desses fótons entre elas, e os fótons externos as empurram uma em direção à outra, com força inversamente proporcional à quarta potência da distância, demonstrando que, na física atual, o espaço "vazio" está “cheio” de “entes” físicos.

Quando afirmamos que este texto, é vazio, queremos dizer que ele é vazio de uma existência separada, independente, que o texto não pode simplesmente existir por si mesmo. Ela precisa coexistir com a tinta, com o computador, com o oxigênio existente no ar, com o calor e luz do sol, com aquele que vê, com aquele que escreveu e com tudo o mais. O texto é vazio de uma individualidade separada. Mas, justamente por ser vazio tem a possibilidade de ser repleto de todas as coisas.

Quando kanzeon olhou profundamente no interior dos cinco agregados percebeu que nenhum deles pode existir sozinho, por si mesmo. Cada um só pode existir em interdependência com todos os outros.

Assim, ele nos diz que a forma é vazia. A forma é vazia de uma entidade separada de um ego, mas é cheia, completa de todas as coisas existentes no universo. Por analogia, o mesmo é verdadeiro para os sentimentos, percepções, formações mentais e consciência, que são os outros agregados.

A concepção do texto do Sutra utiliza-se do princípio da negação para demonstrar a verdade para Shariputra. Alguns estudiosos afirmam que a tradição escolástica da teologia negativa do cristianismo apresenta as mesmas características análogas à tradição budista, bem , mas isso é tema para outro estudo...


“Óh ! Sariputra! todos os fenômenos são vazio-forma, não nascidos, não mortos, não puros, não impuros, não perdidos, não encontrados, assim é tudo dentro do vazio.”

Os fenômenos só podem surgir em dependência de causas e condições, a isso o budismo da o nome de causa e efeito (Karma). Só podem surgir na dependência de suas partes, sem "partes" não há "um todo", e sem “um todo" não há nenhum sentido no conceito de "partes".

Os fenômenos são mutuamente exclusivos; eles são simplesmente designados por rótulos e conceitos em razão da dependência de suas bases, mas os fenômenos em si não são encontrados quando procurados nestas bases.

Podemos citar o exemplo contido no livro “As perguntas do Rei Milinda Panha” (coleção de diálogos entre o Monge Nagasena e o Rei grego Menander, que reinou no Noroeste da Índia de 125 a 95 a.C.). - O que é a carruagem através da qual o Rei conseguiu chegar até este lugar? Pergunta o Monge Nagasena (quando perguntado pelo Rei sobre o não-eu).

É possível apontar os cavalos, os arreios, os bancos, as rodas, o banco, as partes metálicas etc. mas, não a carruagem em si. É possível analisar cada uma destas partes em separado até se chegar ao espaço ocupado pelas partículas da matéria, mas sem encontrar qualquer coisa que, sozinha, possa ser chamada de carruagem. Até mesmo as partículas da carruagem dependem de uma série de fatores interdependentes.

Afirmar que essa carruagem "existe por si mesma” seria incorreto, mas afirmar que ela "não-existe" também seria um erro. Dizer que a carruagem "existe e não-existe" seria ilógico ou como preferem os advogados o estabelecimento do contraditório. Estas posições errôneas são conhecidas como as três argumentações que não conduzem à sabedoria, ou seja:

1o Afirmar que os fenômenos existem,

2o Afirmar que os fenômenos não-existem,

3o Afirmar ambas as coisas (os fenômenos existem e não-existem).

Essas afirmações não estão corretas porque caem nos extremos do eternalismo e do niilismo. Portanto, a carruagem só pode existir em dependência de causas e condições. A carruagem só pode existir na dependência de suas partes, como o cavalo, o banco, o arreio, as rodas, as partes metálicas e assim por diante.

A carruagem, quando observada com sabedoria (prajna), é apenas um nome, um conceito, e quando procurada em suas bases, ou seja, o cavalo, os bancos, o arreio etc, não pode ser encontrada, pois seus elementos (suas partes constituintes), separadamente, não são a carruagem, são apenas o banco, o arreio etc.

Aqui, a verdade no nível relativo é a de que "a carruagem existe", convencionalmente. Existe apenas em dependência das causas, condições e das partes constituintes. A verdade no nível absoluto é a impossibilidade de se fazer qualquer afirmação ou negação definitiva a respeito da carruagem, pois ela não existe por si mesma, é destituída de existência inerente de um ego, não é nada mais que vacuidade (shunyata) surgindo como um fenômeno através do conjunto harmônico de suas partes.

Não deixem de ler a parte 5.

Nenhum comentário:

Postar um comentário