Já que estamos praticando regularmente nesse nosso pequeno e quase próspero dôjo, é necessário aumentarmos nosso conhecimento sobre a essência do Zen – carinhosamente chamado de “prática”, então vamos lá.
Afinal quais são os fundamentos desse tal de Zen Budismo...
Poderia entrar no mérito tradicional e contar a história de Makasho ou Mahakasyapa e a passagem da flor, que tenho certeza de que todos já conhecem, mas não vou falar disso hoje, vou me ater somente à essência.
Regularmente me perguntam o que é a prática chamada de Zen.
Confesso que sempre que vem essa pergunta (e, ela sempre vem) fico meio embaraçado, nunca consigo achar as palavras adequadas.
Como definir o Zen.
O Zen não é uma doutrina que possa ser explicada através das palavras.
Sempre que perguntado, em minhas toscas tentativas de definição do Zen, percebo que quando a última palavra da minha (sempre) ridícula explanação do que seria o Zen sai da minha boca, o verdadeiro Zen já desapareceu, rindo e debochando de mim.
Todo praticante sério sabe o que é o Zen, pois o vê em todos os lugares, mas não consegue falar sobre ele.
Como apontá-lo, se ele está em tudo e, aquilo que está em tudo não está em lugar nenhum.
Descrever o Zen é como tentar ensinar a um cego brasileiro de nascença a escrever na água em alemão arcaico.
Particularmente acredito que o Zen seja a síntese das religiões, a filosofia (??!!) que veio antes das religiões. Mas sou suspeito, então não vou entrar nesse mérito, pelo menos hoje não.
O Zen se encontra muito além dos sistemas e ideologias, além da religião, da filosofia, da teologia.
O Zen se dirige diretamente ao “coração” do homem, é a experiência viva e o impulso criador anterior a todo o formalismo conceitualizado.
O Zen está na raiz do conhecimento de si próprio, para além das diferenças dos sistemas, valores, nações ou raças.
Por isso é tão difícil falar dele.
A linguagem divide, a palavra separa e produz uma rachadura na realidade que é a matéria prima do zen.
Ho! Mas que tarefa difícil, como definir algo, sem falar sobre esse algo, sem escrever sobre ele, sem apontar seus efeitos, sem... sem... sem...
Mas como sou abusado e um pouquinho pretensioso (só um pouquinho ... está rindo porque....), vou falar tentar falar sobre ele, vamos ver se conseguimos captar sua fugidia essência.
O Zen influenciou muitos aspectos da vida japonesa. Sua influência pode ser visto nas fugidias pinturas dos mestres Ousai e Hiroshige, na caligrafia artística shodô escrita de um só fôlego, na fragilidade das árvores Bonsai, nos sintéticos, porém expressivos poemas Haikai, na singeleza da cerimônia do Chá, nos movimentos do Tai-Sabaki do Karate, nas quedas suaves do Aikido, na rapidez do Ai-do.
Mas muito mais que todas essas manifestações, podemos vê-lo facilmente na arte de viver.
O Zen é um caminho para o despertar que não faz nenhuma exigência ou monopólio. Ele nada exige, apenas se propõe a tornar os homens livres de suas ilusões sobre o mundo e sobre si próprios.
O Zen pretende através da visão correta, quebrar as algemas que prendem o homem ao sofrimento.
Somos parte de um nó que procuramos desesperadamente desatar, mas não conseguimos perceber que quanto mais lutamos enlouquecidos para soltar as cordas, mas elas nos apertam.
Essas cordas são os desejos, os apegos.
Nos apegamos a objetos, conceitos e posses que nos oprimem e impedem de ver o mundo como ele realmente é.
Esses desejos foram sedimentados através de anos e anos em todas as formas de estruturas sociais e instituições religiosas.
Esse apetite insaciável, essa fome voraz não pode ser satisfeita através de nenhuma forma externa. O vasto buraco do desejo, da sede de possuir não pode ser preenchido, exceto momentaneamente, pelos objetos deste desejo.
Tão logo uma aspiração ou objeto é conseguido, diminuímos sua importância e outro desejo toma o seu lugar. Tão logo se consiga aquele carrão de trocentos mil, começamos logo a cobiçar uma Ferrari e uma casa de frente para a praia de Geribá.
É justamente essa distancia entre desejo e satisfação que o Zen chama de sofrimento.
O despertar preconizado pelo Zen consiste em romper os laços desse desejo.
Não se trata de perguntar o que irá me dar prazer nesse momento?
Como vou me alegrar agora? O que irá me satisfazer hoje?
Mas sim por que eu não estou satisfeito? Por que não estou alegre?
Por que estou desanimado? Porque a depressão?
O Zen trata de compreender a irrealidade dos objetos cobiçados e examinar interiormente a própria sabedoria, ao invés de procurá-la fora.
O Zen não é uma prática especial, misteriosa, esotérica, afastada do mundo e da vida quotidiana.
O Zen é simplesmente o retorno à condição normal do corpo e da mente.
A condição normal, não é um estado especial. É reencontrar uma mente livre e feliz.
Muito bem! Qualquer palestrante menos folgado que eu encerraria a palestra por aqui.
Mas como já disse, sou abusado e, me permito passear pelas palavras e exemplos como se estivesse no quintal da minha casa.
Então vamos lá! Mina san...
O Zen não é um sistema de crenças, não versa sobre aceitar certas doutrinas, nem acreditar num conjunto de reivindicações ou princípios.
Ele fala sobre examinar clara e cuidadosamente o mundo e nossa relação com ele.
Disse o Budha: “Não acredite em mim porque você me vê como seu mestre. Não acredite em mim porque outros acreditam. Não acredite numa coisa pelo fato dela estar escrita em textos ou em antigos livros. Não deposite sua fé em relatos, na tradição, em boatos, nem na autoridade de infelizes líderes religiosos. Não confie nas aparências, nem na especulação”.
Meus queridos, o Budha sempre enfatizava repetidamente a impossibilidade de se chegar a verdade seguindo a opinião dos outros.
Ele sempre encorajou as pessoas “A saber por si mesmas que certas coisas estão certas e outras estão erradas”
O Zen não leva muito a sério o que está escrito.
No Zen, os escritos budistas, assim como os escritos de outras filosofias, são comparados a um bote.
Um bote é útil para transportar alguém de uma margem para a outra, uma vez que tenha chegado à margem que deseja o bote não é mais necessário.
O problema é que nos apaixonamos pelo bote.
Pensamos: “Esse é um bote de boa qualidade, é um botezinho maneiro, nem entra água, vou guardá-lo comigo e seguir viajem”.
Esse botes são os extravagantes rituais, os complicados textos e os empoeirados livros sagrados. Se os conservarmos conosco, eles acabarão nos mumificando e se tornando um grande obstáculo.
Nenhuma palavra, nenhuma oração, nenhuma reza, nenhum texto, seja de Budha ou de qualquer outro pode fazer você ver por si só, ele apenas pode indicar o caminho. Você deve “ver” pessoalmente, como fez o Budha e como o fizeram todos os outros mestres ao longo da história.
Muito bem!
Mas chega de conversa fiada.
Conversa fiada matou carambola, já dizia meu falecido pai.
O Zen é comumente chamado de religião não histórica.
Ele não conta uma história de criação, nem especula sobre se estamos indo em direção a um céu ou a uma vida após a morte de algum tipo.
O Zen não fala de origens nem de fins.
Também não pede a seus praticantes que aceitem uma crença, nem que tentem responder por alguma coisa presumida. Muito menos que aceitem explicações particulares de como as coisas são.
Dos dogmas dos mistérios da fé, então ... ele ri despudoradamente.
A certeira flecha do Zen mira diretamente o Eterno Problema da Situação Humana.
Só isso...
Só?... Mas isso é muita coisa...
A maioria de nós sente que está faltando alguma coisa em sua vida. O problema é que não sabemos o que nos falta.
Ansiamos por algo, sentimos as perdas (sempre perdemos alguma coisa), sofremos. Nem suspeitamos que tudo do qual precisamos está aqui mesmo.
Lidamos com nossos problemas de modo a eliminá-los, seja distorcendo-os ou negando-lhes a realidade. O problema é que ao fazer isso tornamos a realidade em algo que ela não é.
Não deixem de ler a parter 2.
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