Parte 5
Como sei que vcs são pessoas inteligentes e eruditas, consideremos alguns outros exemplos mais científicos. O que é um objeto branco? É um comprimento de onda? Uma temperatura? Uma cor? Serão partículas em movimento? Essas partículas serão energia, massa?
Observemos apuradamente. Nenhum desses atributos pertence intrinsecamente ao objeto, eles são simplesmente o resultado da sua exposição a modos de investigação particulares.
Nos textos budistas, existe a história de dois cegos a quem explicavam as cores.
A um, disse-se que o branco era a cor da neve. Quando o cego pegou num pouco de neve, concluiu que a cor branca era fria. Ao outro, disse-se que o branco era a cor dos cisnes, e ao ouvir o som das asas de um cisne que voava, conclui que a cor branca fazia barulho e era difícil de pegar.
Em resumo, o mundo não pode se determinar sozinho. Se o fizesse, todos nós o perceberíamos da mesma maneira.
Não se trata de negar a realidade observável ou afirmar que não há realidade fora da mente, mas simplesmente que não há "realidade em si.
O mundo começou a entender melhor o tempo depois que Einstein formulou sua teoria da relatividade. Antes do aparecimento dessa teoria, considerava-se o tempo como absoluto e universal. O tempo era igual para todos, mesmo que as circunstâncias físicas fossem diferentes.
Na teoria da relatividade, Einstein postula que o intervalo entre duas etapas depende da maneira como o observador se desloca. Quando dois observadores se movem de maneiras diferentes, experimentam durações de tempo diferentes. A velocidade é uma maneira de saltar no tempo.
Na teoria da relatividade geral, Einstein declarou que a alternância da gravidade faz com que o tempo escoe mais devagar. Os relógios andam um pouco mais depressa quando estão localizados em áreas mais baixas, mais próximas do centro da Terra e, portanto, mais no interior do seu campo gravitacional.
De acordo com o mesmo princípio, os relógios andam mais depressa nas áreas mais distantes do centro da terra, mais longe do campo gravitacional. O efeito é pequeno, mas não pode ser desprezado e já foi objeto de testes conclusivos, com o uso de relógios de altíssima precisão.
A mesma lógica, o mesmo princípio, também pode ser usado para explicar a impessoalidade, o não-eu (inexistência de um ego). O conceito de "eu" é vazio, pois surge apenas em dependência dos nossos cinco agregados.
A verdade relativa está relacionada ao Samsara (ciclo de renascimentos e mortes) e aos cinco agregados (matéria, sensação, percepção, formação mental e consciência).
Neste contexto, o Sutra do Coração apresenta a inexistência do sofrimento, da causa, da cessação e do caminho.
Nas palavras de Nagarjuna. “Os fenômenos não surgem de si mesmos, nem dos outros, nem de ambos, nem do nada. E então, de nenhum lugar as realidades compostas emergem. Não existe qualquer coisa que não seja originada interdependentemente, portanto nada existe que não seja vazio de auto-entidade. Afirmar os fenômenos de maneira eternalista é considerá-los eternos, negá-los é vê-los de maneira niilista como sendo o nada. Os praticantes budistas não devem nem afirmar, nem negar”. (Nagarjuna, Mulamadhyamikakarika)
Budha em nenhum momento afirmou: "Você não existe". Ele apenas disse: "Você não tem um eu". Sua natureza é “não-eu”.
Uma das maiores dificuldades de compreensão do porque da infelicidade e do sofrimento vem do fato de pensarmos que existimos ou que não existimos, com esse pensamento incorreto saímos de um extremo e caímos em outro, mas ambos os extremos são apenas conceitos.
Não nos permitimos experimentar a realidade.
Apenas detemos conceitos sobre ela, e sofremos por isso. Temos a perfeita noção de que “pessoa” é distinto de “não-pessoa”, como as árvores, um boi, um gato ou um cavalo. Mas "pessoa" também é uma noção a ser transcendida. Ela é feita somente de elementos “não-pessoa”.
O Sutra ensina que um homem é feito de elementos “não-homem”. Sem a totalidade do mundo, com suas árvores, frutas, água, céu, sol e tudo o mais, o homem não pode existir, aliás, nem o homem, nem os animais... nada.
O Sutra tem o propósito de nos fazer enxergar profundamente a realidade da vida, de nos liberarmos dos dogmas, de não insultarmos nossa inteligência com princípios inaceitáveis. Com o entendimento desse Sutra, passamos a “viver a vida” como uma experiência libertadora e única e não como uma simples noção ou percepção.
“Óh ! Sariputra! todos os fenômenos são vazio-forma, não nascidos, não mortos, não puros, não impuros, não perdidos, não encontrado. Assim é tudo dentro do vazio. Sem forma, sem sensação, conceituação, diferenciação, conhecimento. Sem olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo, mente, sem cor, som, cheiro, sabor, tato, fenômeno. Sem mundo de visão, sem mundo de consciência, sem ignorância, sem fim à ignorância, sem velhice e morte e sem fim à velhice e morte. Sem sofrimento, sem causa, sem extinção e sem caminho. Sem sabedoria e sem ganho. Sem nenhum ganho.”
Iniciando o parágrafo com um interjeição de espanto e admiração, Kanzeon fala para Sariputra de forma repetida, talvez para que ficasse claro e não restasse nenhuma dúvida quanto ao teor da resposta, talvez porque naqueles tempos de antanho, onde ainda não havia a preocupação da preservação em forma escrita, fosse uma “práxis” acadêmica os discursos serem preservados em forma oral e repetitiva.
Talvez ainda, Kanzeon tivesse ficado tão maravilhado com esse “vislumbre” que queria ter a certeza de que Sariputra o entendia. Muitos são os relatos de monges que uma vez iluminados ficaram tão entusiasmados que mal conseguiam balbuciar algumas palavras, ou ainda repetiam incessantemente, frases aparentemente desconexas.
Creio que Kanzeon por todos esses motivos e por outros tantos, insiste com vários exemplos, onde declara que os fenômenos são vazio-forma, i.e, são vazios de uma “forma”, de uma substância inerente de um ego.
Não são nascidos, nem mortos. Como pode ser nascida, uma coisa que é sub-produto de outra e se encontra em processo initerrupto de transformação durante todo o tempo de sua “não vida”. Naturalmente que se eles não tiveram nascimento não poderiam ter morte, pois não há na verdade o que nascer, nem o que morrer.
Não podem ser puros nem impuros, pois esses são conceituações pessoais de cada indivíduo, de cada cidade, de cada sociedade, não tendo nada a ver com os fenômenos que surgem por originação dependente.
Assim é tudo dentro do vazio, continua o texto, sem forma (que forma pode ter alguma coisa em permanente mudança), sem sensação (sensação, conceituação, diferenciação e conhecimento são impressões erroneamente sentidas através do contato com qualquer dos sentidos ou agregados, também vazios por natureza.)
O texto continua até uma parte interessante que cabe uma interpretação.
Sem velhice e morte e sem fim à velhice e morte. Como pode uma coisa envelhecer se a cada momento ela é nova, a cada segundo se modifica, se transforma em outra coisa. A idéia de velhice é uma concepção incorreta, um rótulo que damos as coisas em certo tempo, em um certo momento da transformação ininterrupta, oriunda de nossas mentes não iluminadas.
Não deixem de ler a parte 6.
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