Parte 2
O Monge Shrimata ao longo de seus exaustivos estudos passou a demonstrar ser um homem dotado de vários poderes mágicos, tanto que certa vez uma grande escassez de alimentos penalizou duramente a região de Magadha e, conseqüentemente, os monges do Monastério de Nalanda que viviam de esmolas e donativos.
Embora essa dificuldade durasse cerca de 12 anos o Monge Shrimata, segundo consta, valendo-se de seus poderes mágicos conseguiu, através da alquimia transformar ferro em ouro de modo a alimentar a todos.
Quando ele já era Abade do Monastério Universidade de Nalanda expulsou centenas monges e noviços que eram moralmente corruptos. Durante este mesmo período refutou através da lógica uma argumentação contra o budismo que havia sido escrito em doze mil versos por um filósofo de nome Shamkara.
Também em Jatasamghata, suplantou quinhentos intelectuais não budistas em um debate aberto, convertendo-os ao Dharma de Budha ao rebelar suas erradas visões filosóficas.
Nagarjuna fundou a Escola Madhyamaka ou Madhyamika com o objetivo de sistematizar os ensinamentos dos Sutras do Prajnaparamita.
O axioma central do ensinamento da Escola Madhyamaka proclama que todas as coisas são vazias de substância inerente (sunya - kara).
A Escola Madhyamaka não aceitava nem apresentava como o faziam as outras escolas, qualquer princípio ou teoria em qualquer dos quatro modos, conhecidos como as quatro alternativas da existência 1a (é), 2 a (não é), 3a tanto (é) quanto (não é), pois partia do princípio de que tomar uma posição ou apresentar uma teoria que caia sobre algum dos três modos é comprometer-se e apegar-se a algum princípio ou teoria.
A escola simplesmente rejeitava e demolia todas as teorias filosóficas existentes. Sendo que as principais eram aquelas que mantinham uma ou outra das visões extremas do eternalismo (filosofia que aceita a existência de uma entidade universal que gera os fenômenos) ou do niilismo (filosofia que nega a existência de qualquer coisa subjacente).
Nagarjuna argumentava que nada existia independentemente de condições externas.
Ele não considerava este ensinamento como niilista nem eternalista. Pelo contrário, situava-o no meio, uma vez que reconhecia a existência convencional de objetos que surgem no fluxo contínuo de “origem dependente de condições”.
Defendia que nada possui “uma existência inerente”, o mundo no qual vivemos é produto de condições passageiras – causa e condições.
Nagarjuna não concordava com a idéia de existência inerente, mas com a de existência convencional. Acreditava que a base da nossa concepção convencional de mundo é que é real.
Se o mundo convencional fosse real, então também a percepção das coisas e dos seres como existentes em si e por si seria real, então a ignorância e a sabedoria não seriam distintas, mas idênticas.
Nagarjuna demonstra que quando procurados todos os objetos do mundo convencional simplesmente se dissolvem ao serem reduzidos às suas partes constituintes e, essas mesmas partes constituintes também são dependentes entre si, não possuindo nenhuma existência permanente.
Ao nível de ausência de uma existência última, a vida corrente não existe, logo carece de essência. Ela existe convencionalmente e, é neste plano convencional que os ensinamentos do budismo são extremamente relevantes e eficazes.
De fato, a iluminação só é possível por que os fenômenos não possuem uma existência individual e permanente, caso contrário seria um mundo frio e imutável.
Desde que algo é considerado como tendo uma essência permanente e imutável, qualquer mudança radical se torna impossível e impraticável.
Conforme os ensinamentos, o Sutra Prajnaparamita foi ensinado inicialmente no Pico dos Abutres por Sakhyamuni Budha, no que ficou sendo conhecido como o “Segundo Giro na Roda do Dharma”.
Consta que após dar os ensinamentos relacionados às “Quatro Nobres Verdades” o Budha ensinou o significado último do Dharma que é a vacuidade da existência inerente de todos os fenômenos, conforme se encontra de forma clara e concisa no Sutra do Coração.
Alguns séculos depois da morte de Budha, muitos textos com seus discursos (Sutras), acabaram sendo reeditados, fazendo surgir diferentes versões de um mesmo texto. Inicialmente, os ensinamentos de Budha eram memorizados pelos recitadores e posteriormente foram transcritos.
Os textos de grupos diferentes e distantes são muito semelhantes. Além disso, surgiram muitos Sutras novos, atribuídos a Budhas transcendentes (Dhyani-Buddha), seres da iluminação (Bodisatvas) ou ao próprio Budha Shakyamuni.
Por volta dos séculos I e II, esses novos Sutras deram impulso ao movimento que passaria a se autodenominar o Grande Veículo ou Mahayana. Segundo as escrituras tibetanas, esse movimento se propunha levar muitas pessoas para a outra margem (da iluminação), esses Sutras conteriam os ensinamentos mais profundos de Budha e teriam sido preservados no reino dos Nagas - espécie de dragões aquáticos com corpo de serpente e cabeça humana até que os verdadeiros discípulos se tornassem aptos a recebê-los.
No nome Nagarjuna o início do nome “Naga” é em referência a esses Nagas, que conforme relata a história, foi Nagarjuna (que ainda se chamava Shirimata) que foi ao Reino dos Nagas e recebeu das mãos do Rei os manuscritos contendo a coleção dos Sutras da Prajnaparamita, depois de ter pregado o Dharma para todos os habitantes daquele reino, daí o nome Naga.
Quanto ao restante do nome (Arjuna) foi em homenagem ao grande arqueiro do épico Mahabarata, personagem central da filosofia Védica. Esse arqueiro que se chamava Arjuna era o mais rápido, penetrante e certeiro dos arqueiros, por isso Nagarjuna recebeu seu nome pela sua rapidez e destreza na propagação do Dharma de Budha.
Em termos históricos, os Sutras Ratnaguna Samcharya Gatha e o Ashtahasrika Prajnaparamita Sutra (Discurso da Perfeição da Sabedoria em 8.000 Linhas) apareceram entre os séculos I a.C. e I d.C. Entre os séculos I e III, surgiram os Sutras mais longos e elaborados, como os de 18.000, 25.000 e 100.000 linhas.
Foi nesta época que surgiu o Vajracchedika Prajnaparamita Sutra (Sutra do Diamante). Entre os séculos III e V, surgiram textos mais concisos, entre eles o Sutra do Coração ou Prajnaparamita Hridaya Sutra.
Entre os séculos V e X, surgiram outros Sutras com influência Tântricas.
Segundo a classificação tradicional, existem três “textos mãe” (os discursos em 100.000, 25.000 e 8.000 linhas) e os “textos filho” (são ao todo dezessete Sutras incluindo os Sutras do Coração e do Diamante).
No enunciado do Prajna Paramita Hridaya Sutra (sânscrito) a palavra Hridaya significa coração, essência, de modo que normalmente se conhece esse Sutra pelo nome de Sutra da Essência (ou do Coração) da Perfeição do Conhecimento, em alguns textos também é traduzido como Sutra do Coração da Sabedoria além da Sabedoria ou Sutra do Coração da Grande Sabedoria Completa.
Este Sutra tem uma particularidade interessante que o diferencia dos demais, não é o Budha quem faz a preleção, ele somente pronuncia uma frase no fim do discurso, ele apenas diz "Bem dito, bem dito", e sorri.
Com essa inteligente atitude o Budha criou uma situação em que deixa perfeitamente claro que a compreensão do Sutra pode ocorrer com qualquer pessoa, através da lógica e insight obtido pela meditação.
A recitação do Sutra em questão faz referência a Kanzeon, o Bodisatva que representa a manifestação da compaixão e a Shariputra que representa a sabedoria.
O Sutra afirma que Kanzeon foi compelido a despertar para a vacuidade de todas as coisas pela força avassaladora da sabedoria.
Em seguida, Kanzeon falou com Shariputra, que representa a pessoa de espírito científico ou de conhecimento preciso.
Os ensinamentos de Buddha neste Sutra foram colocados sob o microscópio da inteligência e saber acadêmico de Shariputra, demonstrando que os ensinamentos não foram aceitos com uma fé cega, despropositada e fanática, mas sim, foram examinados, praticados, compreendidos, experienciados e postos à prova.
Não deixem de ler a parte 3
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